Recentemente, nosso país sofreu com uma chacina ocorrida na cidade de Blumenau, no Estado de Santa Catarina. Nesta ocasião, um jovem com histórico violento, armado com uma machadinha, ceifou a vida de quatro crianças. Parte da mídia e da classe intelectual, apressou-se em atribuir este evento, e outros semelhantes, à expansão do movimento conservador.
Na realidade, o conservadorismo no Brasil sempre foi alvo de severas críticas pela intelectualidade brasileira, predominantemente de esquerda. Desta forma, conservadores sempre foram, equivocadamente, associados à estagnação, ao retrocesso e até a aversão ao ensino escolar. No entanto, em tempos recentes, podemos observar uma escalada nas críticas, que passaram a atribuir aos conservadores a responsabilidade pela onda de eventos violentos. Não apenas os atentados em escolas, mas também os crimes de feminicídio, homofobia e injúria racial, têm sido frequentemente relacionados com a chamada expansão dos movimentos conservador e ultraconservador.
Obviamente, não iremos atribuir uma atitude mal caráter aos nossos intelectuais. No entanto, não há como negar que existe uma profunda ignorância quanto ao seu entendimento sobre o que é ser conservador, tanto que vemos que a estes se atribuem características típicas de outros movimentos como o nazismo e o reacionarismo, o que, por sua vez, tem sua origem na repulsa pela academia em realizar a leitura de autores identificados com o conservadorismo. Autores como Roger Scruton, Russel Kirk e Edmund Burke são praticamente desconhecidos em nosso país.
O objetivo deste ensaio é, portanto, apresentar um pouco do pensamento conservador, ou melhor, da disposição conservadora, por meio das ideias de um dos mais prolíficos pensadores do século XX, o historiador e filósofo britânico, Michael Oakshott.
Em seu ensaio, Sobre ser conservador, publicado em 1959, Oakshott discorre sobre a atitude conservadora perante diversos eventos comuns a todos os seres humanos. Como dito pelo próprio autor no início do ensaio, seu objetivo não consiste em abordar as bases teóricas do pensamento conservador. Antes, ele deseja mostrar a disposição, o espírito que predomina em pessoas com este tipo de mentalidade, determinando sua reação frente às mudanças, sejam estas no campo social, político ou tecnológico.
Segundo Oakshott, um conservador, ao contrário do que se prega, não é alguém com aversão às mudanças e que deseja a manutenção a todo o custo da ordem vigente. Antes, é alguém que tem o seu foco no presente, estando disposto a aproveitar ao máximo o que este presente tem de bom a oferecer. É alguém que recebe este tempo presente como uma herança, resultado dos esforços conjuntos de seus antepassados. Alguém que olha para o passado buscando aquilo que foi bem-sucedido e que pode servir como base para as atividades atuais. Diferente dos progressistas, que anseiam por mudanças e inovações como uma forma de evolução da humanidade e que nos conduzirá a um mundo perfeito, paradisíaco, conservadores olham para estas com um certo ceticismo por reconhecerem que nem todas as mudanças e inovações são de fato boas. Reconhecem que mudanças são inevitáveis, que inovações, em muitos casos, são necessárias, mas não as aceitam sem uma análise cabal a respeito de suas consequências.
Como exemplo, podemos considerar o uso de formas de inteligência artificial como o ChatGpt. Enquanto uma pessoa de mentalidade progressista estaria vibrando pelas inúmeras possibilidades que este tipo de tecnologia pode gerar, um conservador olha para ela coma certa dose de desconfiança. Talvez passe pela sua mente questões do tipo: como esta tecnologia pode afetar o aprendizado? Qual o seu impacto sobre a produção de trabalhos originais? Como serão afetadas as relações de trabalho? Há a possibilidade de que esta tecnologia fuja de nosso controle? Nossa experiência mostra que tecnologias promissoras, em muitas ocasiões, cobraram um preço elevado. Ou vamos esquecer que o mesmo petróleo que aquece nossas casas e move nossos veículos é um forte candidato a responsável pelas mudanças climáticas severas observadas em nosso planeta? Ou que a mesma energia nuclear que revolucionou o tratamento do câncer poder ser usada como armamentos de destruição em massa? Ou de drogas, como a talidomida, que era receitada para com o objetivo de combater enjoos e que, no entanto, foi responsável por danos irreversíveis nos bebês de mães que dela fizeram uso? Ou seja, por reconhecer as limitações como inerentes a todos os homens, prefere agir com prudência, característica essa destacada por outros expoentes do pensamento conservador, como Russel Kirk.
Esse exemplo mostra algo que é considerado por Oakshott e que ilustra a disposição conservadora sobre inovações. Todas estas possuem perdas certas e ganhos possíveis e, por este motivo, devem ser apreciadas com muita cautela, escolhendo-se, inclusive, o momento certo para ser implementada, de modo que as perdas sejam minimizadas. Não deixa de chamar a atenção a semelhança entre o descrito por Oakshott e o pensamento de outro intelectual também identificado com o conservadorismo, o psicólogo canadense, Jordan Peterson. Em seu livro 12 Regras para a vida, um antídoto contra o caos, Peterson destaca a necessidade de ser preciso no que se diz. Essa precisão não se refere a mera escolha de palavras. Antes, Peterson incentiva seus leitores a buscarem a plena compreensão de um problema, não permitir a permanência de dúvidas, uma vez que se poderia ser levado a conclusões equivocadas e com danos severos aos envolvidos.
No que se refere a política, para um conservador, a função de um governante deve ser de, meramente, governar. Tomando o exemplo citado pelo próprio autor, um governante deve atuar como um árbitro de uma partida esportiva. Pensemos no caso de um juiz em uma partida de futebol. Ele, nas suas atribuições, não deve interferir na escalação dos times, nem na disposição tática ou no posicionamento dos jogadores. Estas são atribuições dos técnicos. Tampouco vai interferir nas escolhas de jogadas efetuadas pelos desportistas em campo. Sua única função é garantir que as regras do jogo não sejam violadas e, caso sejam, haja a devida punição para esta, mantendo-se uma certa dose de ordem na partida. Similarmente, governantes não deveriam interferir nas atividades desenvolvidas por seus “súditos”. Estes deveriam exercer total liberdade em suas atividades, desde que estas não violem as regras estabelecidas por meio do direito. Assim, a atuação do governante deveria ser a aplicação do direito, como mediador de conflitos, evitando a atitude abusiva.
Para um conservador, um bom governante será aquele que reconhece essa sua posição como árbitro, não procurando promover suas ideias, impor sua visão de mundo. Tampouco deve um governante empenhar-se pela busca de se atingir conceitos abstratos como bem comum, justiça social entre outros. Um bom governante não se apega a uma agenda ideológica, deixando esse debate no seio da sociedade, como um todo, e da academia em particular. A política, em sua visão, não é o ambiente propício para o incentivo das paixões. Políticos que inflamam ao invés de amortecerem as paixões tendem a dividir e promover, intencionalmente ou não, o ressentimento, o enfrentamento e o ódio, como podemos observar neste momento no Brasil, com as atitudes dos dois últimos presidentes.
Pode-se notar que o pensamento conservador estimula a existência de um ambiente plural, onde impera a diversidade, reconhecendo que esta pode, e deve existir pacificamente. Ao contrário da imagem divulgada na mídia, o conservador é por natureza, tolerante, e busca constantemente o bem comum. Nas palavras de Roger Scruton:
A redenção vem do outro. Reconhecemos, em nosso ser, que não estamos sozinhos, que o que importa para nós - nossa salvação - é o amor, a compaixão e o perdão que os outros nos concedem. O significado da vida emerge deste diálogo entre o eu e o outro, quando cada um assume total responsabilidade pelo ser de ambos.
Como podemos ver, diferentemente da visão transmitida pela mídia, não faz sentido associar o conservadorismo com atos violentos, com atitudes intolerantes e retrógradas. O conservadorismo incentiva a estabilidade, a análise profunda das mudanças e inovações, a política técnica e o ambiente plural.