Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 10% da população mundial, mais de 700 milhões de pessoas, encontra-se em extrema pobreza. Embora esse número seja ainda muito elevado, a verdade é que observamos uma redução drástica nos últimos duzentos anos. Segundo dados do Banco Mundial, em 1820, a proporção de pessoas vivendo na extrema pobreza era de 84%. Podemos afirmar, com plena convicção, que esta significativa melhora nas condições de vida da população mundial deveu-se à Revolução Industrial ocorrida no início do século XIX, que possibilitou uma produção de riqueza em nível nunca visto pela humanidade.
Por sua vez, esta Revolução Industrial somente foi possível devido a Revolução Científica que a precedeu. Por exemplo, o desenvolvimento científico e tecnológico permitiu a produção de técnicas e equipamentos que possibilitaram uma maior produtividade por parte dos trabalhadores e, por sua vez, das corporações, levando a um crescimento da renda média. A mecânica Newtoniana e os conhecimentos acerca do calor permitiram o desenvolvimento da máquina a vapor por Newcomen em 1698, aperfeiçoada por Watts em 1769. A partir de 1785, as máquinas de Watts começaram a ser produzidas em grandes quantidades, revolucionando os meios de produção. A ciência possibilitou ainda o desenvolvimento de tratamentos médicos que aumentaram a expectativa de vida da população, métodos de produção e conservação alimentos, aumentando sua disponibilidade e evitando o desperdício, tornando-o, assim, mais acessível. Meios de transportes mais rápidos e seguros modificaram a mobilidade das populações mundiais.
No centro deste desenvolvimento científico, as Ciências e Tecnologias Nucleares, NST’s - Nuclear Science and Tecnology - ocupam um papel de grande destaque, uma vez que possuem impacto direto na vida de cada cidadão do planeta. Desde os trabalhos de Einstein em 1905, onde foi mostrada a possibilidade de se transformar a massa de núcleos atômicos em energia e as descobertas do casal Curie e Bequerel nos fins do século XIX, quando descobriram que alguns elementos apresentavam a capacidade natural de emitir radiação, radioatividade, que as NST’s não pararam de evoluir. Inúmeras aplicações foram desenvolvidas desde então.
Por exemplo, a produção de energia por meio da fissão de núcleos atômicos levou ao desenvolvimento das bombas nucleares, este um ponto negativo, mas também de usinas nucleares, contribuindo de forma significativa para que diversos países tivessem uma fonte abundante e estável de energia elétrica. Vale destacar que um suprimento de energia confiável é imprescindível para o desenvolvimento de qualquer nação. Basta vermos que as nações consideradas mais desenvolvidas, ou as que apresentam maior índice de crescimento econômico, são também as que apresentam o consumo de energia mais elevado.
No entanto, as aplicações da energia nuclear não se resumem apenas à produção de energia. Por exemplo, o processo de irradiação de alimentos contribui para evitar doenças de origem alimentar, como a provocada pela salmonela e outros microrganismos patogênicos, e para aumentar a sua durabilidade. Para efeito de comparação, morangos irradiados possuem vida média de seis meses contra um mês dos morangos não irradiados. A radioatividade pode ainda ser usada em medicina, tanto para obtenção de diagnósticos quanto para realização de tratamentos. Como exemplo, temos a radioterapia, usada no tratamento de câncer.
Apesar de todas as inúmeras possibilidades de aplicações e da grande contribuição para a melhora observada na qualidade de vida proporcionada pelas NST’s, observamos que o número de profissionais envolvidos com este ramo das ciências aplicadas tem diminuído em diversos países, entre eles o Brasil. Se esta tendência for mantida, haverá carência de profissionais nas próximas décadas, comprometendo severamente o seu desenvolvimento.
Em uma palestra que apresentei em 2019, na XLII Reunião de Trabalhos em Física Nuclear no Brasil, em parceria com pesquisadores da CNEN, alertamos para a necessidade de se investigar as causas da baixa procura por parte de estudantes do ensino médio brasileiros por carreiras voltadas para pesquisa e desenvolvimento de aplicações da energia nuclear. Foi dado início a uma investigação visando entender o porquê desta baixa procura. Desde então, realizamos um levantamento com inúmeros trabalhos realizados sobre o Ensino de Física Nuclear nos níveis médio e superior. Analisamos estudos que avaliavam o nível de conhecimento sobre o tema por alunos de ensino médio e superior, estudos avaliando a qualidade dos livros didáticos mais utilizados no ensino médio e a ementa das disciplinas de cursos introdutórios de licenciatura de física e química. Os resultados desta investigação foram preocupantes, uma vez que mostraram um problema difícil de ser superado no curto e médio prazo.
Quanto ao nível de conhecimento dos estudantes de nível médio, mostrou-se que apenas 40% dos estudantes tiveram contato com o tema das NST’s durante o ensino médio e, destes, apenas 60% o tiveram no currículo regular da escola. Os demais foram apresentados a temática por meio da televisão, internet, palestras entre outros meios. A grande maioria dos estudantes não compreendiam plenamente conceitos básicos como energia nuclear, radioatividade e produção de energia elétrica. Aplicações como irradiação de alimentos e tratamentos médicos eram praticamente ignorados. O nosso levantamento ainda mostrou que a energia nuclear só era trabalhada com os alunos nos cursos de física. Outras disciplinas, que poderiam abordar a temática, como a química, a geografia e a biologia, raramente o faziam e, mesmo assim, o faziam em nível superficial.
Foi possível observar duas consequências diretas desta abordagem de ensino deficiente. Primeira, o fato de que o entendimento dos estudantes não permitia um rompimento com o senso comum. Como exemplo, quando questionados sobre o que primeiro vem à mente quando pensam em energia nuclear, a maioria das respostas abordavam temas como acidentes em usinas, armamentos, problemas de saúde e produção de energia. Como dito anteriormente, uma das principais fontes de conhecimento citada pelos alunos foi a mídia. Tendo em vista que o objetivo deste meio não é a transmissão de conhecimentos em si, mas sim de atrair a assistência, é de se esperar que os temas abordados se concentrem naqueles de maior atratividade, como é o caso dos acidentes em usinas nucleares o que, de certa forma, explica as respostas dos discentes.
A segunda, está relacionada com a escolha de carreira, tendo em vista que esta é feita com base em fatores como, o mercado de trabalho e sua estabilidade, a importância social (a igualdade de importância das profissões para o convívio social), a remuneração, a questão das atribuições e status, impacto em sua qualidade de vida, e ainda às habilidades exigidas para o desempenho do trabalho, são alguns dos atributos levados em no processo de escolha de carreira. Como a visão acerca das Ciências Nucleares é, via de regra, negativa, o que pode ser visto pelos conceitos associados ao tema, não surpreende que tão poucos alunos procurem dar continuidade aos seus estudos na área em questão.
Esta análise preliminar nos indicou que a baixa popularidade das Ciências e Tecnologias Nucleares estava diretamente relacionada com o nível de ensino, em especial em nível médio. Como é consenso entre os especialistas da área de ensino, o professor está no centro do processo de ensino e aprendizado, o que nos leva a supor que a sua atuação está ligada aos resultados encontrados. Por este motivo, nosso próximo passo foi investigar a formação e atuação dos professores, principalmente na rede pública de ensino, onde os resultados são, via de regra, inferiores aos da rede particular.