A todos os povos que não ousam atravessar a passadeira, enquanto o sinal permanece vermelho, a minha profunda admiração. Observo que os povos têm entenderes diferentes e sorrio enquanto passo por eles, eu também pertencente a um povo, mas de outra tribo.
Mudei-me para uma civilização ao lado da minha, por questões de desassossego e logo percebi que existem pessoas desse povo que esperam, no passeio, onde lhes foi designada essa competência, mesmo não atravessando nenhum carro. Esperam, calmamente, até que o sinal fique verde para passarem a zebra e seguirem a sua vida.
— Ó pá — penso eu — que máximo! — E logo me vem o pensamento de crítica e julgamento: que falta de rasgo ou resignação pelas normas instituídas. Típico de quem ainda não lhes conhece os desígnios. A minha tribo não faz isso. Mal percebe que pode passar, passa sem medos, ou sem responsabilidade, sempre a correr. Este povo é menos apressado. Sabe esperar. Aparentemente não há urgência maior do que o tempo de espera. Há vagar, um vagar que parece ter-se esquecido em nós, os da outra tribo.
É curioso, porque seria de esperar que uma civilização grande, que tem como dado adquirido ser agitada, elétrica, com ritmo frenético, acordada até altas horas, estranhamente e apesar de ser tudo isso, em parte não o é. Este povo espera que o sinal fique verde. Parece ironia, como se de alguma forma este povo fosse obrigado a permanecer imóvel, como se hipnotizado pelo vermelho, até o mesmo mudar, e isso lhes desse permissão para o caminho se abrir.
Uma diferença enorme relativamente à minha tribo, que anda sempre a correr, e esse atletismo diário prende-se com o parco rendimento familiar, a parca qualidade de vida, em consequência de pouco ou nenhum reconhecimento da necessidade de mudança das chefias da tribo, que se recusa a admitir que é necessária cooperação e comunicação entre todos, mas que, por birra e por desleixo, permanecem também eles imóveis e inacessíveis, frente a uma tribo cansada, desmotivada e pobre, muito pobre e sobretudo sem esperança. Sem esperança na mudança e de um presente, e por consequência, de futuro melhor.
Na minha tribo, as pessoas mais jovens e mais sábias saem, vão embora, cada vez mais e mais, vão, contudo, com um peso nos ombros, esse peso chama-se revolta. Revolta porque almejamos a qualidade de vida que poderíamos ter na nossa tribo, mas sabemos que a mesma é irreal, não é possível tê-la, usufruí-la, mantê-la, e sobretudo construí-la, com a exceção de alguns privilegiados.
Assim, uma tristeza acompanha-nos, um ponto escuro na alma, porque lá o repasto é familiar logo, melhor, porque o tinto e já agora o branco, é melhor, porque a língua é a mesma porque foi aí que nasceste, foi aí que cresceste, mas sabes que não é possível subsistir, criar, crescer.
E questões invadem o corpo, a cabeça, o coração. Um fado com direito a perda, deceção e amor, mas amor não correspondido e talvez nunca concretizado.
Assim, só nos resta esperar, como se tratasse de um sinal vermelho que nos impede de avançar, mas ao contrário do povo que reside nesta tribo, não é voluntário, é obrigatório, paralisante até, e, todavia, parados. Esperamos que a esperança que nos roubaram nos invada de novo, para que possamos voltar a acreditar que, um dia, o sinal fique verde e possamos regressar, finalmente.