Assistindo ao filme Matthias & Maxime de Xavier Dolan pensei em como conflitos e dramas podem resultar do antagonismo entre compromissos e desejos. Esse filme é exemplar ao mostrar o desenrolar dessa incompatibilidade. Toda vez que se tenta manter compromissos, toda vez que se tem medo de enfrentar os próprios desejos, as situações são deslocadas para inúmeros conflitos.
Constatar que tudo que se vivencia não satisfaz e que o que se deseja é considerado impróprio, inconveniente ou anormal cria divisões. Essas divisões frequentemente se expressam como revolta e desespero. Um rapaz, por exemplo, que percebe em si súbitos desejos amorosos e sexuais desenvolvidos pelo melhor amigo de infância, concomitantemente sente surpresa, alegria e medo. Como enfrentar essa nova situação e o que ela significa são questões que diariamente se colocam. Se o desejo não é aceito, se a espontaneidade é freada por compromissos e imagens, o que fazer diante da contradição? Essa situação testa a própria honestidade e a própria felicidade. No campo dos relacionamentos amorosos essa divisão é muito frequente, com os conflitos surgindo seja a partir das diferenças sócio-econômicas e raciais, seja também pela igualdade de sexos ou não aceitação da homossexualidade.
Não suportando conviver com o que é diferente da norma socialmente aprovada, com o que é considerado anormal ou doentio por muitos, o indivíduo nega o que ocorre, o que sente, e aposta nas convenções e nos caminhos programados e aceitos, submete-se a ter suas motivações cortadas e sepultadas por injunções, conveniências e vantagens, como por exemplo casar-se com o melhor partido da faculdade ou da comunidade e dentro dos padrões considerados válidos.
O medo ou a alegria que surgem junto à descoberta do novo varia em função de compromissos ou de liberdade. O que é inautêntico, o que é incoerente é mantido independente das próprias motivações quando o indivíduo se define como mantenedor do que consegue amealhar, do que julga respeitável e válido. Por outro lado, a surpresa, o novo, a descoberta que traz felicidade e alegria é abraçada quando a congruência com as próprias motivações é buscada. Aceitar as próprias motivações e desejos é descobrir-se honesto e questionador.
Uma das resultantes das dinâmicas psicológicas da não aceitação é a raiva ou a agressividade. Nesse contexto, muitas vezes se agride exatamente a quem se ama e ao perceber que as próprias motivações implicam na destruição do outro, que são causadas por raiva e revolta, o indivíduo, caso aceite essa raiva, percebe que a mesma é criada pela não aceitação da vida. Essa constatação é libertadora, é poderosa e capaz de gerar completa mudança de atitude: não há motivação para destruir o outro e sim para quebrar barreiras do que aliena e isola. Da mesma forma, em outras situações, percebendo que ama e deseja o semelhante, e que isso é proibido ou considerado anormal, pois o mandamento de "amai-vos e multiplicai-vos", por exemplo, não é atendido, ele pode perceber que o amor se esgota e se realiza no próprio amor e que as funções pragmáticas e reprodutivas que lhe são atribuídas são apenas invólucro religioso e, às vezes, obrigação social.
Questionar as próprias motivações é descobrir-se, é abrir perspectivas para mudança e para satisfação e felicidade. Vivenciar surpresas trazidas pelo outro ou pelo cotidiano requer unidade e aceitação.
Quanto maior o nível de não aceitação, maior a fragmentação, e cada aspecto da mesma coloca questões conflitivas e restritivas, desde que parcializadas, resultando em compromissos e medos nos quais são estabelecidos dados decisórios e nos quais também sempre se esteve dividido, confuso e fragmentado. Nada completa, nada define, tudo estrangula e apavora, e assim, nesses casos, a regra é mentir, enganar e disfarçar: negar evidências e apagar rastros. Normas, regras e mentiras passam a ser as coordenadas que tudo determinam e desse modo o humano é destruído.
O indivíduo que não se aceita, que não aceita seus desejos, passa a ser o representante de tudo que o situa, compromete e encarcera. Quando o processo de despersonalização é instalado, ele se divide, se fragmenta, se neurotiza.