...Se queres a paz, prepara a criança....
(Adelaide Cabete, 1933)
Há mais de um século, precisamente há 115 anos, nascia uma figura feminina ímpar que chamou a atenção para os direitos humanos, muito especialmente os das crianças, cujo mundo ela conhecia de perto; chamava-se Adelaide Cabete. Os seus ideais e convicções, inspiraram-me a cruzar neste artigo, não só a paideia grega,mas também as teorias práticas de Paul Ricoeur, como focos de luz nestes tempos de Sombra.
Comecemos por relembrar que Platão elaborou uma teoria da educação (República) e, essa teoria que ele relaciona com a sua teoria do mundo, permite-lhe conceber, no Timeu, uma vida de sageza que não consiste mais na separação do corpo e no isolamento do mundo mas em educar paralelamente o corpo e a alma, em conformidade com as leis do mundo (Timeu, 44-8 c1, 87c-90 d), o que implica uma mudança de perspectiva que integra a importância da contextualização e da temporalidade histórica.
Aludindo aos mitos que se contam às crianças, Platão defende que aqueles que contam histórias e lendas devem ser vigiados pois deixam na alma da criança um traço mais duradouro que as mãos que lhe cuidam do corpo. O filósofo exige mesmo que em todas as histórias se manifeste o mesmo “tipo” de homem (República 377C), que é, no fundo, o herói ético, o que manifesta nobreza de alma nas suas acções, daí a sua ligação afectivo-pedagógica às crias (espécie de máximas ou provérbios), que ilustram perfeitamente uma lição de sabedoria prática.
O Homem é na sua essência um Homo Simbolicus, na medida em que revela essa tensão dialéctica própria ao símbolo: revelação e ocultação.
Conhecer o Homem na sua plenitude implica a busca de Utopias do Ser Humano. É numa obra de nome Utopia e Educação, editada pela Porto Editora e de autoria de Adalberto Dias de Carvalho, que se refere a posição de Paul Ricoeur a este respeito: “Ricoeur considera que, com uma eventual renúncia às utopias, o homem perderia a sua vontade de moldar a história”, sendo que o autor considera “ que isso tem como efeito central permitir tornar possível a transformação do presente em favor de estádios e organizações mais compatíveis com as aspirações do homem e, deste modo não condenar subrepticiamente o futuro à fatalidade do presente”.
Isto é importante referir visto que a utopia surge como uma autêntica contra-realidade que é impulsionada pelo fundamento ético da dimensão crítica do dever-ser. A utopia desafia a História e a própria Educação do Devir, o que implica uma pedagogia utópica e uma consciência ética, que ,como indica Levinas, nunca é, concerteza ,uma consciência espontânea mas uma consciência educada. Em última instância, vamos ter a Kant que nos diz nas suas Réflections sur lÉducation, que “O homem não se pode tornar homem a não ser pela educação. Ele não é senão o que a educação faz dele”. Há, pois, que educar os deveres e os direitos para uma ética da responsabilidade da pessoa humana. Desenvolver as capacidades simbólicas, consciencializar as utopias, experimentar o caminho de Sócrates, torna-se essencial, libertador da nossa própria condição humana; compreender que temos uma memória do passado e perspectivas do futuro mas que a emoção está e é do presente e é única.
A educação ética passará definitivamente por uma hermenêutica, por uma dialéctica reveledora que o próprio discurso possui e que ajudará o leitor a uma auto-compreensão e a um auto-conhecimento, que o ajudará a um estar-no-mundo com uma perspectiva de valores universais.
A vida é feita de escolhas e os padrões éticos é que determinarão a forma da nova ordem mundial emergente. Como tal, Portugal não se pode excluir deste processo decisório, visto que uma decisão é uma determinação “efetiva” de política, como se afirma in Autoridade e Poder :o processo de executar determinado curso de acção; o poder é a participação no processo decisório. O poder político tem que ver com o poder sobre as pessoas, com o modificar da sua conduta, logo, tem que ver com valorizações específicas, com um controlo sobre práticas e padrões de valor. É o poder de…sobre…que pode originar conflito de interesses ou um direito de justiça.
Para, de tal, termos consciência, há que perceber um determinado modo de ser e de estar-no-mundo, sobretudo o nosso: o de ser e estar-no-mundo Português. Os valores culturais ,éticos, religiosos que envolvem a identidade nacional e aí, quer a nossa História, quer a nossa Literatura, com os seus respectivos heróis e anti-heróis, revelam-nos muito sobre a memória do nosso Passado e sobre os desejos do Futuro. É aí que se revelam também as características da defesa dentro do modo de ser Português. É aqui que a educação começa a ter o papel de formar uma autêntica consciência nacional, através das fontes e da hermenêutica das mesmas, para que o carácter dos cidadãos constitua a força e o espírito de defesa, essa vontade esclarecida e determinada.
Relembremos o aviso feito a J.Kennedy por André Malraux, a propósito da intervenção norte-americana na Europa, durante a II Guerra Mundial-“ a defesa é a vontade de defender”, por isso é que muitas vezes consciência é um outro nome para convicção.
No que nos diz respeito, defenderemos uma educação ética, mais épica no sentido de estabelecer pontes cognitivas entre o Ocidente e o Oriente, mais universalizante e humanista na simbólica dos valores, que promova uma auto e hétero- avaliações, uma melhor compreensão do mundo em que vivemos com toda a sua diversidade singular, em que a ética funcione já como hermenêutica da própria moral, dos costumes, das tradições, da cultura e dos seus valores.
Cada vez mais é importante ouvir e ouvir de novo, o mesmo é dizer, ler e reler, ouvir com os olhos as histórias da História e perceber e interpretar com os ouvidos no Passado, os lábios no Presente e os olhos no Futuro. Nesse Futuro, como sublinha F.Carvalho Rodrigues, ”a comunicação dará lugar à comunhão”, como também afirmou Ricoeur, haverá bens comuns a partilhar porque pelo meio houve o esforço da concretização dos desejos e uma avaliação consciente das capacidades de cada um. É que a educação também ela se transforma. Atravessa tempos de mudança. Uma mudança que implica promover nos alunos a capacidade de pensar. Na medida em que os alunos podem ser estimulados a tomarem consciência, a conhecerem e a controlarem os seus processos mentais ao longo da aprendizagem dos conteúdos curriculares, o livre-arbítrio, a escolha de valores, enfim, o desenvolvimento moral do aluno sofre metamorfoses.
É este ensinar a pensar, a avaliar, a tomar consciência dos conhecimentos armazenados na memória e a activá-los, podendo relacioná-los com o texto que lê ou com o mundo à sua volta, igualmente legível e interpretável, que constitui a textura de uma educação ética ao serviço de uma defesa nacional; uma vertente essencial para capacitar os alunos a darem um contributo pessoal no processo permanente de transformação e construção social e pessoal dos valores.