Sou champanhe; sinto-me a borbulhar… Festejo!
(Silvana D'Artiel)
Maria Augusta Sting de Vasconcelos era como Agustina, tinha nascido adulta e iria morrer criança.
Desde o tempo do bibe e do biberão que Maria Augusta ouvia as histórias de sua mãe; uma escritora que costurava as personagens com linhas de sonho e fantasia. Mas, logo a seguir, vinha a linha dura do pai que a fazia aterrar de uma só vez no seu corpo, em que a primeira coisa a chorar era a voz de Maria Augusta!
Mais tarde, já adolescente, ela interrogava-se se seria possível “ consertar” pessoas?! Se fosse, decerto que seu pai seria o primeiro! Controlador em tudo, gostaria até de controlar os seus mais íntimos desejos e ela…ela confiou-me que houve um raro momento em que se sentia ser enterrada viva pelo seu Futuro!
E eu, eu estou dentro de um relógio e o que mais quero é oferecer-lhe horas e horas e horas…
Ah, se eu pudesse engarrafar o Tempo!
Podia oferecer-lhe uma garrafa de Tempo Natalício, daquela colheita, em que nós, adolescentes rebeldes, num impasse gramatical do “ Era e não era…” nos enamoramos em câmara lenta até conseguirmos ser acrobatas do beijo.
Nesse Natal, Maria Augusta recebeu um presente especial: um leque.
No teatro de operações de combate à paixão, este leque mágico travava a fundo o deflagrado fogo que ia ardendo sem se ver.
Tratava-se de um leque superlativo, secretíssimo, já que Maria Augusta não suspeitava sequer quem lho poderia ter oferecido…
Não vinha cartão a acompanhar o presente delicado. Nada.
Conversar com Maria Augusta era um privilégio. Todas as palavras tinham a assinatura de todo o seu corpo. Era uma gramática barroca e nós, nós falávamos muito de vinculação para não falarmos de Amor. Um Amor proibido à nascença, pois Maria Augusta estava prometida e o seu futuro marido reflectia o padrão de seu pai.
Entretanto, o Baile da Bolsa teria lugar na noite de fim de ano e Maria Augusta pensava num estratagema para dançar comigo, no momento certo e depois…depois os nossos passos saberiam a direcção a tomar. O leque de seda em arco-íris era o elemento fundamental para que nada falhasse. Aquele leque possuía propriedades mágicas.
O lado A. do leque: o Solar.
Cada vez que a pessoa abre o leque, uma das cores do arco-íris fica saliente e quem o abre passa a ver tudo dessa cor e as pessoas que a rodeia, passam a vê-la dessa mesma cor. Era um segredo só nosso e a nossa cor código era o verde.
Porquê o verde?
Ambos adorávamos, desde pequenos, as folhas da Ginko Biloba; folhas em forma de leque. A acrescentar que o Ginko é uma árvore de raízes profundas e com uma resistência invulgar ao vento. Uma resistência que Maria Augusta ostentava, com os seus olhos de fada, cada vez que usava o leque.
O lado B. do leque: o Lunar.
É o lado que contém os Grandes Arcanos do Tarot.
Quando se abre desse lado, o Arcano que ficar saliente, será o que dita o momento em causa! O Arcano daquele momento era o VI: Os Amantes.
Relembro a afirmação de Madame de Stael, uma dama da sociedade francesa, a respeito do leque:
Há tantos modos de se servir de um leque que se pode distinguir logo, à primeira vista, uma princesa de uma condessa…aliás, uma dama sem leque é como um nobre sem espada.
Maria Augusta era exímia na sua utilização, pois sabia tudo o que havia para saber acerca da linguagem simbólica do leque e das suas mensagens encriptadas na intenção de um gesto!
Por isso, mal chegou ao Baile da Bolsa cobriu os olhos com o leque aberto para me dizer o quanto me amava.
Depois, abriu totalmente o leque, o que queria dizer que deveria esperar por ela e depois cobriu o rosto com o leque aberto, para que a seguisse quando deixasse o Salão.
Maria Augusta não andava, desfilava e o perfume do seu leque inundava a atmosfera do Salão Árabe que exibia o dourado para festejar o Ano Novo palpitante...
Quando me aproximei, entregou-me o leque fechado, o que equivalia à pergunta:
-Ama-me?
Respondi com um beijo suculento e mordi-lhe a orelha. Ela, por sua vez, acariciou o leque fechado, pedindo-me para não ser imprudente. Porém, eu fui ainda mais longe e abri e fechei muito devagar o leque, prometendo, assim, casar com ela.