Invisível, incerto, provisório, eterno, vertiginoso, sensível…o tempo sempre será a maior riqueza que possuímos. Cabe ao tempo, era uma vez…também cabem ao tempo, certo dia, certa vez, em algum lugar do passado, no futuro próximo, na manhã seguinte, na noite de ontem e por anos e anos, e anos…
Assim é o tempo, quem define? Quem sabe onde ele mora?
Sem perder o tempo de vista, recentemente descobri que os mestres da cultura popular ou folclore é um grande marcador do tempo. Pois bem, eles trazem a ancestralidade, a memória ao mesmo tempo, reinventam o presente e estão livres para o futuro próximo. Pelas suas vivências e saberes eles fazem a ponte entre o céu e a terra. Trazem o simbólico no coração e fazem da vida uma brincadeira a partir de atos divinos repetitivos. Num passado recente, Einstein afirmou que o passado, presente e futuro ocorrem simultaneamente. “A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, afirmou Einstein1. O tempo é um ciclo, então, devemos ficar atentos ao que vem e ao que vai. Como afirmou o músico Ivan Vilela numa entrevista para a professora Natacha Muriel López Gallucci2 sobre A Metodologia do Congado: A Viola Caipira na Universidade Brasileira3 na fala do Mestre Dito Juvenal, “uaí meu filho, eu acho muito bom porque o Congado é o mundo, se o mundo muda o congado tem de mudar.” Isto é fabuloso!
E, como vocês sabem, tudo depende da vontade do tempo. Em um determinado dia, perguntei ao meu neto Arthur, quando ele tinha seis anos, o que seria o tempo? Sem demora, ele falou, o tempo é feito gelo, derrete depressa. Achei genial. Para tanto, cabe ao tempo o começo. A escritora Clarice Lispector disse, “Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida.” Já escritora Maria Gabriela Llansol escreveu um livro com sessenta e cinco começos, mas, bastou o design de inteligência maior, pela célebre narrativa - Faça-se a luz! que o mundo começou. Só para refletir, é no começo que as histórias são definidas. Lewis Carrol afirmou na A conferência do professor, “No mundo científico, como, aliás, em vários domínios, é preferível começar pelo começo, em certos casos, porém, é melhor começar pelo outro lado. Por exemplo: digamos que você deseje pintar de verde um cachorro. Seria melhor começar pelo rabo, pois ele não morde por essa extremidade. Assim…”4
Sem muito tempo, os seres humanos estão preocupados com a marcação do tempo e sua dimensão. Somos criados para entendermos o tempo como eterno e sua hierarquia. Será que vivemos para contar o tempo? Um dia desses assisti uma entrevista do designer Hans Donner5 que planejou desenhar o tempo para revelar um novo tempo. A partir de uma ideia genial, Hans Donner sai de “tempo é dinheiro” para “tempo é vida”. E, não é que ele está certo. Somos devorados pelo chronos. Como diz o gênio Hans Donner, temos que refletir sobre a qualidade do tempo sem eliminar o Chronos. Nesse sentido, os mestres da cultura popular ou folclore já fazem isto. São claros e obedecem ao simbólico sem perder de vista o chronos. Revelar o tempo é usar a tecnologia com oportunidade. Desenhar o tempo é o que necessitamos. Com a pandemia do coronavírus 2019, devemos revelar um novo tempo. As empresas bem que poderiam criar um banco de chances oferecendo oportunidades para a humanidade. Com um banco de tarefas, as pessoas não necessitariam de pedir um emprego para disputarem uma vaga entre centenas de candidatos, onde, sabe-se lá o motivo realmente como a vaga foi preenchida. Não estou falando de modelos e sistemas de governos. Seja para qualquer um, o banco de chances deverá ser criado para preencher um valor importante na construção dos seres humanos que é a dignidade. Num tempo atrás, quando estava pesquisando sobre comunicação rural para minha dissertação de mestrado, um moradora do semiárido no distrito de Samambaia localizado na cidade de Custódia, Pernambuco, Brasil, falou com muita veemência, “água só se for com trabalho, sem trabalho, não tem importância”. Fiquei a pensar, como a água que é projeto de vida, deve estar atrelada ao trabalho? Os seres humanos estão preocupados em permanecer com um vínculo com o Estado. Também precisamos compreender a nossa participação no mundo, que rastro queremos deixar no mundo? Os seres humanos querem dignidade e atenção. Eu realmente sou uma boba.
(Das vantagens de ser bobo de Clarice Lispector, “O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: ‘Estou fazendo. Estou pensando.’ Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto, estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: ‘Até tu, Brutus?’ Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”)
Então, que tempo queremos viver? Num documentário sobre o músico Cartola ele comentou com um amigo para elaboração de uma composição, “depressa, não tenho mais tempo”, logo depois ele faleceu. Aprendemos a ideia de um sentimento de eternidade e nos confundimos no caminhar da vida. Somos finitos, mas, podemos e poderemos realizar ações atemporais.
Basta viver para se convencer de que os acontecimentos vividos são a chave dos acontecimentos observados.
(G. Tillion)
Há de se considerar, que encontrei num artigo intitulado Tempo, História e Educação Matemática de Arlete Jesus Brito uma magnífica abordagem.
Dadas nossas vivências com o ‘tempo’ moderno, esse padrão - em que o virar do ponteiro após a meia noite (marco historicamente instituído, pois o início de um dia já foi, conforme vimos, determinado pelo nascer do Sol) significa “mais um dia” e nunca “o dia novamente” (ideia extremamente bem explorada no filme O feitiço do tempo) – não é fácil de ser questionado, nem superado. Tal superação só pode ser histórica e social. No entanto, conhecer outros modos de entender o “tempo”, colabora para nossas reflexões sobre ele e sobre como age na educação das pessoas na modernidade e isso pode refletir-se em nossas pesquisas.6
Ainda resta tempo. O Mestre Miro Bonequeiro de Carpina, Pernambuco me contou, que o dia começa quando a noite termina. Parece que andamos esquecendo disto. Precisamos refletir, que por mais que a gente ande, o tempo sempre recai para o nosso passado. Freud afirmou que, “nem a própria morte nem a passagem do tempo têm registro no inconsciente, afirma Freud. O tempo do inconsciente não é um tempo que passa, é um ‘outro tempo’, o tempo da ‘mistura dos tempos’, o tempo do ‘só depois’, o ‘tempo da ressignificação’.”7
Então, bora ressignificar o tempo. Bora trazer luz. Jamais apagaremos a história, então vamos dar visibilidade às histórias que andaram perdidas e esquecidas. No poema de Carlos Drummond de Andrade ele afirma o poder das lembranças:
Os mortos de sobrecasaca
Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam,
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes,
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava,
que rebentava daquelas páginas.
Assim, neste novo ciclo que se inicia necessitamos desenhar o tempo com muita luz.
Venham todos, é a festa da luz!
Entre mirra, incenso e ouro, o rei menino na manjedoura anuncia o despertar do divino amor. E, num grande espetáculo surgem os folguedos natalinos. Auto de Natal que é conduzido pela sinergia da plateia num exaltar de sentimentos humanos que faz a ponte entre o céu e a terra. Numa batalha entre o bem e o mal, palhaços e mascarados como espiões do Rei Herodes, rendem-se e são aclamados ao vilancico para beijarem o presépio.
Ouçam, a brincadeira já começou! No Reisado aguda-se uma fusão de etnias. Ásia, África, Europa e a influência jesuítica se misturam para o grande baile da luz na festa cristã ao nascimento do menino Deus. O cavalo-marinho ressalta em entremeios a fé sob arcos de fitas coloridas, o bumba meu boi ressuscita, a cigana, o velho, a mestra, a contramestra e a Diana com as pastorinhas belas, alegremente dançam com esperança de um novo ciclo.
Tudo isso, ressalta uma finalidade, que é a singeleza da simplicidade em comemoração ao nascimento do menino Deus, porque tempo é vida!
1 Nova teoria diz que passado, presente e futuro coexistem.
2 Natacha Muriel López Gallucci.
3 A Congada é uma manifestação cultural e religiosa que envolve dança, canto, teatro e religiões de matriz africana e cristã. Esta celebração é voltada para Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito – divindades cultuadas pelos africanos escravizados.
4 Souza, José Moreira de. A sombra do andarilho: O folclore e suas charadas. Belo Horizonte: Comissão Mineira de Folclore, 2012.
5 Hans Donner - Revelação do tempo - Entrevista.
6 Tempo, História e Educação Matemática.
7 O tempo que passa e o tempo que não passa.