Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
(Manoel de Barros)
Começo então por uma pergunta: o que você lembra quando fazia no Jardim da Infância? Realço que rapidamente na memória surgem os desenhos e as pinturas, a hora da merenda, a hora do recreio, a bronca que levou da professora, a hora do lanche, entre outras cenas emotivas. Engraçado que as primeiras cenas são sempre de sentimentos, porque a Educação é 95% emoção e 5% conteúdos. Nesta pequena reflexão poderemos analisar, como você transmite o seu conhecimento?
O psicanalista e professor Rubem Alves com sua sensibilidade diz que precisamos de um despertar, que os educadores devem tornar possível esse despertar para os alunos. Ele afirmou que a cozinha é um grande laboratório para que o conhecimento aconteça. O pedagogo Paulo Freire buscou pela identidade e costumes autonomia do conhecimento, trouxe o cuidado no aprendizado a partir do conhecimento local. Na mesma percepção temos o antropólogo Marshall Sahlins que diz que a dinâmica da cultura é o estudo do comportamento humano. Néstor García Canclini evidencia o comportamento dos cidadãos pelo consumo diante das culturas populares no capitalismo. E o queridíssimo poeta Manoel de Barros busca no imaginário das brincadeiras no quintal de casa o mundo, quando ele diz que “ o meu quintal é maior do que o mundo''.
Há em todos uma preocupação na transmissão do conhecimento, E que este conhecimento deve ser despertado pelos sentidos, é pelos sentidos que conhecemos o mundo. Vilém Flusser afirma que o mundo é codificado, assim precisamos de muita observação para codificar o mundo e os seus símbolos.
A pedagogia brincante traz o conhecimento a partir da brincadeira, das vivências pela riqueza do imaginário, da memória e da tradição. Como um novelo de lã desenrolado, a tradição vai tomando conta das gerações. Vai levando pelos rituais do sagrado a potência dos símbolos. John Huizinga afirma que o jogo faz parte da cultura, já Jean Piaget diz que, quando uma criança sai da escola parecendo que saiu de uma chaminé, ela brincou e aprendeu. O educador Vygotsky diz que é a partir da brincadeira que a criança internaliza o mundo externo e daí codifica o mundo.
A Pedagogia Brincante é uma poesia viva. É por tudo isso que a trupe familiar Carroça de Mamulengos traz em seu matulão em sua biofantasia sob à luz e ao som do imaginário popular dos Mestres e brincantes, a singularidade e atemporalidade existente na Pedagogia Brincante. A partir da conjunção de símbolos existentes no mundo entre o céu e a terra, a Carroça carrega o brincar para iluminar o cotidiano da sabedoria popular. Michel Maffesoli afirma que o imaginário é uma aura evidente nas culturas, enquanto Albert Einstein diz que o imaginário vale mais do que o conhecimento. Por isso, a Pedagogia Brincante reinventa o mundo.
Todo aprendizado é espontâneo, natural, na leitura do mundo simbólico a criança se aproxima do sentido de mundo pelas suas vivências. O ator Richard Riguetti traz a proposta da Carroça de Mamulengos se tornar Patrimônio Mundial da Humanidade. São 44 anos de autoaceitação como afirma o seu criador Carlos Gomide que “toda arte é uma surpresa”. E seus filhos, netos e envolvidos nessa surpresa constroem a leitura de mundo. De tradição em tradição leva em suas apresentações a sabedoria da vida. Pela arte, fé, imaginário, interpretações carregam os segredos do mundo mágico dos Mestres da cultura. Nessa pisada, escreve Patativa do Assaré, poeta incentivador da referida trupe: “Nós somos formados em campos abertos , Em palcos repletos no meio da rua, Chamando as figuras do nosso enredo, Formando o brinquedo com sol e com lua, De pé nas alturas nos equilibrando , Com voz projetando aos ouvidos mil , Quem chega só sai quando tudo termina, Na arte menina do nosso Brasil”.
Todo esse encanto deve-se ao Carlos Gomide, o pai da Carroça de Mamulengos que disse que não faria mais nada que não trouxesse a plenitude em sua vida. Desde então, passou a viver do imaginário popular e do lúdico existente na cultura popular. Diz ele: A vivência é um alimento, nos alimentamos da cultura popular. E foi, e é com este alimento que ele criou seus filhos dando vida aos bonecos. Ainda nas palavras de Carlos Gomide:
Dar vida aos bonecos é algo espiritual porque o mundo dos Mestres é um Mundo Mágico.
Para tanto, é com o pensar-sentir-fazer dito pelo professor José Jorge de Carvalho que a cultura se reinventa. Nessas brincadeiras, a mãe, Shirley França, mãe de oito filhos que fazem a Carroça de Mamulengos acontecer afirma que cada filho tinha um baú com sua pastinha de estudos em suas viagens, pois Shirley foi uma mãe itinerante, diz ela com a interdisciplinaridade e no brincar, os filhos aprendiam a conhecer o mundo.
Digamos que a base para que a Pedagogia Brincante aconteça é a Forte dose de Afeto. A socióloga Maria Isaura Pereira e Queiroz diz que o Afeto é o elo na cultura popular. Pensemos, o que leva um cortador de cana se vestir e brincar o maracatu rural?
Por sua vez, devemos analisar que os grupos das culturas populares apresentam características que traçam o seu desenvolvimento. Eles têm uma comunicação própria para uso de seu cotidiano, inclusive cheio de mugangas e invenções para que eles se entendam, apresentam também uma rivalidade sadia que incentiva a criatividade e faz uso do afeto que é o elo para o sagrado nas manifestações populares.
Por tudo isso, a Carroça de Mamulengos que hoje encontra-se no bairro de João Cabral, em Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil reinventa a cultura sob a luz da tecnologia sem perder a essência do improviso, a criatividade e o riso em suas apresentações. De geração em geração pela Pedagogia Brincante, a Carroça vai tecendo suas vivências. Hoje eles possuem um curso de pós-graduação intitulado Saberes Populares para a arte e a educação nas vivências da Carroça de Mamulengos elaborado, produzido e organizado pela A casa Tombada, em São Paulo, Brasil. Numa proposta entre o simbólico e a ciência, unindo a razão e a fé levanta uma nova bandeira para a educação, pois a ciência não precisa se separar das vivências. Como diz Walter Benjamin o brincar inventa o mundo, o brincar faz o mundo vivo.
Podemos ressaltar que necessitamos da Pedagogia Brincante para incentivar a identidade e a autoaceitação na construção do ser humano.
Parâmetros da Pedagogia Brincante
- Aproximação com a natureza
- Autoaceitação da identidade
- Aprendizado unindo ciência e símbolo
- Sensibilidade para arte
- Construção de seres humanos afetivos
- Humor e ludicidade
- Respeito com o coletivo
- Ressignificação da leitura de mundo
Assim a Pedagogia Brincante é indelével e atemporal, por isso, deve ser vivenciada.