As imagens criadas por Joanna Piotrowska, quer captadas em fotografia, filme ou aquelas que tomam forma em frente ao espectador enquanto performances ou instalações, estão envoltas num sentido de ambiguidade, muito embora tudo esteja claro e à vista. A tensão é despertada pelo sentido de reversibilidade das situações, gestos e ações encenadas, que se focam no momento suspenso do encontro entre duas realidades, condensadas em imagens que nunca são unívocas, mas podem ser interpretadas de um ou de outro modo. Um encontro entre duas pessoas, entre quem realiza e quem passa por uma ação, com um inimigo invisível, entre seres humanos e objetos, e até quando o protagonista é uma única pessoa, os gestos ou a pose que evoca são duplos, mostrando que a essência do trabalho da Joanna Piotrowska se pode encontrar na investigação interior e na apresentação dos mecanismos psíquicos que operam em diferentes contextos.
Na nova série de fotografias Enclosures, iniciada em 2018, a figura humana está completamente ausente, embora o projeto dê continuidade à reflexão desenvolvida na sua produção anterior na qual o corpo é protagonista. Em particular com a série Frantic, apresentada na Madragoa em 2016: os sujeitos das fotografias eram indivíduos desafiados com a construção de abrigos feitos com objetos domésticos, para criar um espaço intimo adicional dentro das suas casas, que de uma zona segura passam a ser uma trincheira, uma jaula, que nos levam a pensar sobre o significado profundo do sentimento de proteção e de estar em casa. Enclosures mostra o interior de outras jaulas, as do zoo, e outros objetos, aqueles utilizados pelos animais em cativeiro, revelando a forte projeção do ser humano sobre o conceito de natureza, a intenção de domesticar disfarçada sob o aparente respeito pelo mundo selvagem, a perpetuação do exercício de domínio humano. A reconstrução de um ambiente natural acolhedor reflete apenas a ideia humana de habitat desenhado especificamente para animais e o resultado é o de um design de cena para o espetáculo e entretenimento do público ao invés de um ambiente ideal para a vida dos animais. Além do assunto retratado, a disposição das obras, concebida em relação com o espaço da galeria, destaca estes mecanismos.
Para receber o observador no rés-do-chão da galeria estão dois papéis de parede, cada um mostrando uma janela com vista para uma jaula vazia, delimitada por paredes, dentro da qual um espaço selvagem é simulado, aparecendo como continuação do espaço real pisado pelos visitantes do zoo. A continuidade da paisagem em ambos os lados da janela torna-a semelhante a um ecrã, ou a um espelho que duplica o espaço, alterando a sua perceção, (uma) mise en abyme que deixa o observador confuso, incerto da sua posição dentro ou fora do recinto cercado, do seu papel enquanto observador ou observado. No outro papel de parede a abertura replica, com o seu perfil orgânico, a formação natural de uma pedra rochosa, mas o efeito falso e grotesco da reconstrução denuncia claramente a sua natureza artificial e fictícia, enquanto sublinha que o seu verdadeiro propósito é o entretenimento por trás do desejo de fazer os animais sentirem-se em casa. Não existem animais em nenhuma das fotografias da série, o olhar permanece na miséria destas jaulas vazias, dioramas despovoados, tão sombrios como uma discoteca durante o dia.
Para sublinhar que a condição e comportamento humanos são o foco real desta pesquisa, alguns fusos, elementos de estruturas de jaulas identificados no quotidiano humano, são multiplicados em altura para juntar o teto ao chão da sala, delimitando o espaço de uma jaula dentro da galeria. As suas cores vivas, que escondem o cativeiro com a fanfarra do circo, vêm de corantes utilizados em alimentos e para pintar ferramentas de madeira e brinquedos criados para animais, em mais um paralelo com a necessidade humana de se projetar esteticamente no mundo selvagem.
As fotografias da série Animal Enrichment enquadram alguns objetos no ambiente neutro de um estúdio fotográfico, suportados por mãos que cuidadosa e delicadamente os oferecem ao olhar, mostrando os seus detalhes e aludindo ao seu funcionamento, a meio caminho entre um jogo de prestígio e a televenda. Estes objetos incluem uma corda, um espelho ligado a uma corrente, um cesto metálico, adereços para um espetáculo no zoo, que segurados pelas mãos de alguém se transformam em estranhos fetiches sensuais.
Joanna Piotrowska (Varsóvia, Polónia, 1985) vive e trabalha em Londres, RU. Em 2013, obteve o MA em Fotografia no Royal College of Art, Londres, e em 2009 completou o BA em Fotografia na Academy of Fine Arts em Cracóvia, Polónia. As suas exposições individuais recentes incluem: Stable Vices, Kunsthalle Basel, Basileia (2019); Yorkshire Sculpture International, Leeds Gallery, Leeds (2019); All Our False Devices, Tate Britain, Londres (2019); CONDO Mexico City 2018, Madragoa e Dawid Radziszewski recebidos por Arredondo/Arozarena, Cidade do México (2018); Frantic, Madragoa, Lisboa (2016). As suas exposições coletivas incluem: A Terceira Margem, Bienal Ano Zero, Coimbra (2019); There’ll Never Be a Door. You’re Inside. Works from the Teixeira de Freitas Collection, Sala de Arte Santander, Madrid (2019); Abitare I Silenzio, Fondazione MIA, Bergamo (2019); Tell me about yesterday tomorrow, NS-Dokumentationszentrum München, Munique (2019); Antarctica, Kunsthalle Wien, Viena (2018); Begin: New Photography 2018, MoMA, Nova Iorque (2018). As suas próximas exposições incluem: Self-Defence, Zachęta National Gallery of Art, Varsóvia (2020).