L’alchimie a pour objet, précisément, d’acter le changement des formes, soit, à l’origine de procéder à un changement de l’esprit. Un bon alchimiste perpétue l’œuvre de la nature, il se voue à être un accoucheur sensible et non un dominateur technocrate.
(Hans Günter Golinski)
A obra do artista é matérica, corpórea. A insinuante abstração das formas não destitui cada peça daquilo que a constiui verdadeiramente - uma presença, uma marca. A matéria é densa e a superfície não é lisa, não se oferece sem resistência: exige, ao artista, muito trabalho para domá-la, para conformar uma imagem que se sobressai, que interpela os olhos de quem as vê, de quem tenta interpretá-las.
João Jacinto é, antes de tudo, um fazedor de imagens, quer na pintura quer no desenho. Com a sua pintura participou das muitas resssurreições do género no campo da arte. A pintura já nasceu e morreu vezes sem conta, e volta a renascer na História, quando necesária, quando convocada. E o desenho faz parte da sua natureza ambígua e múltipla de artista-professor.
Numa entrevista João Jacinto fala do seu método, que é um não-método, que é um exercicio de fazer constante, porque as coisas só existem, quando lhes damos sentido ou direção. E há que se trabalhar, mesmo que o propósito seja quase sisífico, porque parar é, de alguma forma, deixar de existir:
“Há duas coisas das quais eu sou destituído: de imaginação e inspiração. Eu acho que a vida de cada um não tem sentido nenhum, por isso parte de cada um dar um sentido a essa vida. E para mim, a minha vida não tem sentido sem tentar fazer coisas. Portanto, é muito dificil passar um dia sem vir aqui tentar fazer qualquer coisa, porque é um dia que eu tenho de me confrontar desde que acordo até que adormeço com o absoluto vazio sentido de estar vivo. Por vezes uma pessoa vem para aqui tentar fazer qualquer coisa e não consegue fazer absolutamente nada. E muitas vezes sai pior ainda do que se não tivesse vindo cá. O que quer dizer que muitas vezes depois de vir trabalhar, a ausência de sentido para se continuar vivo é ainda muitissimo superior ou é maior do que aquela antes de se ter aqui chegado.”
(Entrevista publicada na Artecapital)
Os críticos, ao referirem-se ao trabalho deste artista, convocam sempre a matéria. O tema é aquilo que nasce do confronto entre João Jacinto e os materiais que tem diante de si: tintas, telas, papeis, pasteis, carvão. Materiais que se convertem em obras, umas mais espessas, ultrapassando a dimensão do suporte, e outras, aparentemente mais contidas, enquadradas.
Eu meti as mãos na água não é apenas um título, é a enunciaçao, ou a anunciaçao de um gesto – o artista enfrenta o que tem diante de si e produz retratos estranhos, de cabeças, e de rostos, que nos miram, como a cabeça de Holofernes, recém-cortada por Judite, ou a de João Baptista servida numa bandeja à Salomé. São imagens perturbadoras, esteticamente muito próximas dos seus autorretratos. Perturbam-nos pelo seu falso inacabamento, pela zona de sombra que envolve cada cabeça, pelo espaço vazio, abissal, que as circunda.
João Jacinto faz parte do grupo dos grandes artistas da segunda metade séc. XX que resgataram as imagens do puro abstracionismo e que deram uma cara, e uma carnatura, ao mundo que emergiu do pós-guerra em trauma profundo. E que passou os últimos anos a tentar esquecer. E a obra destes artistas existe porque é preciso, mais que nunca, lembrar. Para que o horror permaneça circunscrito à arte - para onde olhamos e que nos devolve, de modo intenso, o nosso próprio olhar.