Toda escola que se preze, em algum momento da vida escolar, ensina sobre os modernistas e o nome de Tarsila do Amaral nunca falta. Arriscaria dizer que o seu quadro Abaporu de 1928 com suas cores fortes e traço marcado é tão conhecido quanto o Cristo Redentor! Seria um exagero da minha parte? De qualquer maneira, Tarsila se tornou uma das maiores referências da pintura nacional realmente pintando um Brasil que não ficou no passado.
Ainda estudando no antigo colegial, me deparei com Tarsila do Amaral pela primeira vez. Muito embalada pela Semana de Arte Moderna de 1922, sobretudo por conta dos manifestos sobre poesia, logo me encantei com aqueles intelectuais que redescobriram o Brasil em viagens e deixaram suas obras como testemunhas de um Brasil que ainda parece existir, com merecido destaque às obras da artista interiorana que tentava se inspirar nos mestres franceses. E foi esse contexto de viagem de redescoberta do Brasil que vi uma exposição de Tarsila do Amaral pela primeira vez em 2008 na Pinacoteca de São Paulo: Tarsila Viajante. Fiquei muito impressionada com a obra de Tarsila, mas ainda faltava ver ao vivo a sua obra-prima que habita solo porteño: Abaporu.
Em 2011, em visita a Buenos Aires o primeiro encontro com a figura antropofágica que inspirou Oswald de Andrade, marido de Tarsila, a escrever o Manifesto Antropofágico aconteceu. Sem multidão e sem filas como aconteceria no segundo encontro e sem selfies e stories. Ali no MALBA vi Abaporu e chorei pensando em tantas coisas sobre o que é ser brasileiro, sobre o que é arte e sobre onde as coisas de nossa cultura estão espalhadas pelo mundo. Mas essas reflexões são para um outro momento. Fato é que Tarsila tornou-se minha referência de brasilidade quando eu penso no que o nosso país é. Somos cores, formas, sabores, pretos, vermelhos, brancos, urbanos, interioranos, felizes, tristes, desproporcionais, religiosos, traços fortes, trabalhadores do campo e da cidade.
Muito da infância bucólica da pintora modernista nas fazendas do interior da capital paulista é retratado em diversas pinturas de Tarsila e a cores de sua pintura parecem retratar a exuberância de nossas terras. Entretanto, na atual exposição Tarsila Popular no MASP (Museu de Arte de São Paulo) aberta até 28/07, vamos além do colorido paradisíaco de um imaginário colonial do Brasil e somos levados também a uma paisagem urbana cinzenta e composta pelo emergente progresso industrial e a desigualdade social. Esse contraste mostra realmente que a curadoria acertou na escolha do viés popular da artista. Vemos o povo como ele era e ainda é.
Ver obras como Operários de 1933 e não lembrar do metrô ou trem lotados na capital é praticamente impossível. Na conjuntura atual de desemprego, como não pensar nesse quadro como uma massa nas imensas filas de emprego que vemos nos noticiários locais? Como não olhar a obra Segunda Classe de 1933 e não pensar nos imigrantes e na pobreza de famílias que vêm para as capitais para tentar uma vida melhor? Como não chorar ao ver que o mesmo semblante sofrido em destaque em Trabalhadores de 1938 é visto diariamente nas periferias, nas fábricas, nas lavouras e nas eaquinas do nosso país?
Meu terceiro encontro com Tarsila não foi tão radiante quanto os outros, mas me fez reformular o que é ser brasileiro ontem e hoje. Não sei se o meu olhar se agrava com o momento atual do Brasil, mas o que fica dessa exposição, além da genialidade da pintora, é o amargo na boca ao pensar que ainda fizemos muito pouco pelo nosso povo. Que a multidão que faz filas e mais filas e as crianças e adolescentes que se encontram com Tarsila no MASP possam se empoderar e redescobrir o Brasil para melhor.