Comumente mulheres mais velhas que tenham sido ao longo da vida temperadas como o aço, adquirem espessas calosidades físicas e espirituais por terem passado pelo que passaram, mas longe de se tornarem pessoas amargas e ressentidas, tornam-se surpreendentemente amorosas e gentis. Do atrito com as adversidades nasceu uma profunda sabedoria ao mesmo tempo em que foi sendo lapidado o seu potencial de amor até o limite mais refinado e assim, essas mulheres conseguem amar a mais simples das formas de vida. Elas também lapidaram o seu ego e o sentido de poder e de realização pessoal. Sobretudo, aprenderam a sobrepujar o egocentrismo e a superar o campo das vaidades pessoais, outros atributos e habilidades surgindo no lugar disso. Seus olhos veem mais fundo e mais além, seus ouvidos, de fato, ouvem e conseguem apreender o não dito, suas línguas falam o que precisa ser dito (elas sabem distinguir o que deve ou não ser dito). Nessa condição podem estar mais ‘com o outro’ do que consigo mesmas sem se perderem. Tornam-se mais afinadas com o que está acontecendo fora de si porque no seu interior as coisas estão nos seus devidos lugares.

Seu senso de adequação lhes orienta perfeitamente e lhes fornece todas as pistas necessárias para darem a resposta certa, na hora certa, para a pessoa certa. São pessoas que inspiram segurança e que sabem para qual direção desejam apontar o leme do seu barco. Na maioria das vezes, elas trabalham no silêncio e em silêncio. Sabem que ações precisas são mil vezes mais eficientes do que críticas mordazes feitas de braços cruzados e que só contribuem para deixar pesado o ambiente.

Nos diversos papéis que desempenham na vida, seja na relação com seus pacientes, na relação professor-aluno ou outro contexto profissional, seja na vida pessoal ou simplesmente como espíritos afins, estas mulheres se apresentam como Mães Fortes e todos aqueles que se relacionam com elas e que estão sob a sua esfera de ação possuem todas as condições favoráveis para o desenvolvimento e desta forma, poder vir a se constituir uma Prole Forte.

Mães Fortes jamais negligenciam ou abandonam seus filhos para obedecer às normas e conveniências da cultura (quando o filho é um patinho feio, por exemplo) ou se acovardam diante das adversidades da vida ou ainda se curvam devido às suas próprias fragilidades.

Mães Fortes são bravas no duplo sentido do termo e defendem sua ninhada a qualquer preço. Mães Fortes não se entregam jamais. Elas são, de fato, uma inspiração e um “ideal do ego” para sua prole que vê nelas um grande modelo a ser seguido. Mais do que isto. A prole encontra no seio da Mãe Forte, toda a matriz, a generosidade e a nutrição de que precisa para crescer forte e saudável. A Mãe Forte prepara o filho para a vida, de forma que ele ocupe o seu lugar no mundo dando ampla expansão ao seu potencial. Ela faz prevalecer sempre a lei da natureza. Todos vimos ao mundo para crescer, dar flores, frutos e sementes. Esta é a lei natural da vida. Interromper este ciclo é uma transgressão das coisas.

Todos que temos pessoas que dependem de nós e que estão de alguma forma sob os nossos cuidados e a nossa orientação deveríamos nos fazer essa pergunta: - Será que estamos, de fato, ajudando o nosso “filho” a crescer? - Será que, de fato, foi feito tudo antes de jogar a toalha? – Será que não poderíamos ter feito mais?

Quando este “filho” tem um fim social esta responsabilidade se torna ainda maior, pois pode se tratar de um serviço, de vidas envolvidas, do bem-estar de muitas pessoas. Não podemos também nos esquecer que pela lei de Ação e Reação, a responsabilidade que nos é atribuída, nos será cobrada.

Ter responsabilidades é algo muito sério, pois não respondemos apenas por nós, mas pelo que fazemos com o destino de outros, com aqueles aos quais estamos atrelados hierarquicamente. Ter responsabilidades é algo próprio do papel de adulto.

A Mãe Forte sabe que não pode se esquivar diante de suas responsabilidades e nem se deixar seduzir por conta de vaidades pessoais.

Clarissa Pinkola Estés em seu livro Mulheres que Correm com os Lobos nos apresenta o belo exemplo de que, entre os lobos, não importa o quanto esteja doente, não importa o quanto esteja acuada, o quanto esteja só ou enfraquecida, a loba persiste. Ela corre mesmo com a perna quebrada. Ela se aproxima dos outros à procura da proteção da matilha. Ela se esforça ao máximo para superar na espera, na astúcia, na velocidade ou na duração da vida aquilo que a esteja atormentando. Ela dedicará todas as suas forças a respirar bem. Ela se arrastará, se necessário, de um lugar para o outro até encontrar um lugar benéfico em que possa se recuperar (p. 238).

Segundo a autora, a principal característica da natureza selvagem é a persistência. A perseverança. Isso não é algo que se faça. É algo que se é, em termos naturais e inatos. Quando não temos condição de vicejar, seguimos adiante até podermos voltar a vicejar. A natureza selvagem não é natural de nenhum grupo étnico específico e ela jaz inquieta e ansiosa por despontar para a luz, no fundo da alma de cada mulher. Mulheres que foram “urdidas a ferro e fogo” conseguiram se conectar com sua natureza selvagem. Assim, se a colheita estiver destruída, elas farão outra semeadura imediatamente. Se a meada queimou, elas fiarão mais. Elas desenharão portas onde não houver nenhuma. E elas as abrirão e passarão por essas portas para novos caminhos e novas vidas.

Devemos a nossos “filhos” uma atitude corajosa, criativa e impetuosa. Nunca o abandono, a proscrição, o desterro, a negligência face à lenta agonia ou o simples não saber o que fazer são respostas aceitáveis ao universo.

A Mãe Forte consegue perfeitamente ouvir o surdo clamor de sua prole, clamor ao qual o poeta Mário Benedetti magistralmente dá voz em seu poema “Não te rendas”:

Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só,
porque eu te amo.

Referências

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que Correm com os Lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1994. 627 p.