Orgulho é considerado um dos pecados capitais tanto pelos cristãos, quanto por grande parte da sociedade. Também é visto como peça de resistência, atitude digna e vitoriosa, e nesse sentido ter orgulho é ter brio. Esse significado antagônico resulta de aplicar o conceito, a definição de orgulho, em duas situações distintas.
O orgulhoso quando pecador é o autoritário, o que nega os próprios mal feitos, que esconde suas fraquezas e falhas exalando probidade, e nesse sentido o orgulho é um conjunto de mentiras, autoritarismo, soberba e empáfia. O outro sentido de orgulho é quase sinônimo de dignidade, passa a ideia de ter brio, não dar o “braço a torcer”, não demonstrar fraqueza, ou seja, esconder mazelas, medos e dificuldades. Esconder as próprias falhas o iguala à mentira do autoritário pecador. Em ambos os casos são os processos de não aceitação de si e do outro que levam os indivíduos a escamotear as próprias fraquezas.
O orgulho é sempre um sintoma, uma atitude de não aceitação da não aceitação. Manter a aparência, ser forte, não fraquejar, enfim, negar a própria problemática estrutura orgulho. Em Mudança e Psicoterapia Gestaltista eu já escrevia:
“O não ter sido aceito pelo que se é, mas pelo que se deve ou tem de ser estrutura divisão, parcialização, fragmentação. O outro é sempre percebido como testemunha de acusação, juiz, salvador ou protetor; o relacionamento humano, assim estruturado, oscila entre esses pólos básicos. As vivências são amealhadas como comprovadoras desses aspectos. A preocupação em ser aprovado, não ser abandonado ou rejeitado cria dependências, pontos de apoio-opressão, estabelecem medos, culpas, timidez, agressividade, onipotência, impotência, vergonha etc. O significado existencial passa a ser haurido por meio de atestados, flagrantes considerados positivos quando representados pelo status valorizado de quem aceitou, pela tolerância, complacência, compreensão e ajuda; e são considerados negativos quando implicam em discordâncias, questionamentos, aberturas e entregas afetivas não garantidas por aparências e valores socialmente aceitos. Valorização e desvalorização são vivências constantes, sempre centralizadas em critérios aderentes e contingentes”.
Nesse mesmo livro explico como a não aceitação da não aceitação estrutura, entre outras coisas, também a vergonha:
“Envergonhar-se é vivenciar a própria alienação em relação ao que não se aceita, à mancha que tem de ser escondida, mobilizando forças tensionantes. Esse acúmulo de tensão divide, fragmenta, parcializa. É o medo de ser rejeitado, discriminado, estigmatizado, desprezado, tanto quanto a preocupação em ser aceito, manter as mentiras, as imagens construídas, a encenação de comportamentos e atitudes. Tudo isso leva o ser humano a vivências aderentes, alienadas, de aparência.”
O orgulho considerado brio sempre está emoldurado pelo que se avalia como boa aparência, atitude adequada e educada, isto é, pelo propósito de “não passar vergonha”, de não ser envergonhado, não deixar aparecer as mazelas que, portanto, precisam ser encobertas. A vergonha e o embaraço escondidos pela estruturação do orgulho são o brio que aparece, por exemplo, no peito ufano, no ar vitorioso encontradiço após dificuldades vencidas, no orgulho de ser mãe, no pai orgulhoso de sua prole, nas paradas do orgulho gay. Tudo isso sempre deixa escapar a ideia de grandes lutas, caminhos percorridos, fracassos e vitórias vivenciadas e aplaudidas.
Quanto mais se mantém o orgulho, mais se luta para manter aparências, negar dificuldades e problemas. Por isso, em psicanálise, o orgulho é um mecanismo de defesa que às vezes aparece sob forma narcísica na qual perpassam, por exemplo, brasões familiares (“minha família tradicional e aristocrata”, “meu avô herói de guerra” etc.), e esses recursos, títulos e vivências orgulham seus possuidores. Durante o processo psicoterápico se percebe, nos deslocamentos de sintomas e problemas, quantas fraquezas estas aparências, apoios e orgulhos encobrem.