As últimas chuvas que atingiram a cidade do Rio de Janeiro, demonstram que no atacado, continuamos com as mesmas deficiências no que tange lidar com as características geográficas e climáticas dessa região, com o comportamento de parte significativa da população que utiliza os espaços públicos como sua lixeira, da necessidade de intensificação nas ações de manutenção dos sistemas de drenagem, além de como fazer frente às mais do que prováveis alterações climáticas e seus extremos. Não é pouca coisa, principalmente para uma cultura fatalista que cultua as catástrofes anunciadas, onde a culpada oficialmente é sempre a Natureza que não conta com bons advogados.
Dentro deste aspecto "catástrófico anunciado" chama a atenção a região da baixada de Jacarepaguá e suas várias "cidades", fruto do crescimento urbano desordenado, que por sua vez é o produto da ausência de políticas de habitação e da falta de ordenamento do uso do solo. Até aí nada de novo, na histórica metástase do tecido urbano-ambiental da cidade do Rio de Janeiro onde grupos privados e políticos se beneficiam economicamente e politicamente da degradação ambiental sistêmica.
No entanto para as comunidades localizadas sob a influência direta de rios, canais e lagunas assoreadas, onde terrenos denominados hidromórficos, altamente instáveis e naturalmente inundáveis, sem qualquer vocação para ocupação, são ocupados de qualquer jeito, observa-se sua natural vulnerabilidade para enchentes.
Percebe-se que mesmo com um ou mais dias após as chuvas, a dificuldade da drenagem desses terrenos ocupados indevidamente é alarmante.
Além da própria Natureza que tenta retomar o que é seu, na baixada de Jacarepaguá, um outro elemento concorre para agravar ainda mais essa situação: o assoreamento monstruoso de canais e da laguna da Tijuca.
A laguna da Tijuca, apresenta-se em estado terminal, transformada num canal raso, pútrido, cercada por ilhas de lama e lixo, totalizando estimados 6,5 milhões de metros cúbicos de resíduos variados, onde a cada chuva mais intensa, alguns milhares de metros cúbicos de resíduos se somam aos já depositados.
Levando em conta que a laguna da Tijuca é o principal canal de drenagem da bacia hidrográfica local, que drena o maciço da Tijuca e boa parte do maciço da Pedra Branca, é simplesmente uma questão de onde cairá a próxima chuva torrencial para termos a transformação da baixada de Jacarepaguá numa imensa nova praça da Bandeira com inundações na baixada e escorregamentos nas encostas.
Em 1996 e em 2010 ocorreram devastadoras enchentes e escorregamentos com perdas materiais e humanas que aparentemente não deixaram qualquer ensinamento prático para a sociedade e poder público.
Ao contrário, nos últimos anos de bonança econômica e bacanal com dinheiro público, bilhões de reais passaram pela cidade do Rio de Janeiro sem que tivessem deixado qualquer significativo ganho ambiental, tema pouco interessante para nossos inventivos gestores públicos verde amarelos. Há de se destacar que o valor utilizado na reconstrução apenas do Maracanã, estimados 1,6 bilhões de reais, seria mais do que suficiente para a recuperação de todo o sistema lagunar de Jacarepaguá, de sua bacia hidrográfica, bem como de sua transformação num grande parque temático ambiental, gerador de empregos, impostos e oportunidades para a economia de nossa cidade, beneficiando a qualidade de vida de até um milhão de pessoas. Infelizmente nossos "iluminados" administradores eleitos pelo povo, não pensaram assim.
Portanto, apesar de todos os avisos, não há dúvida que rumamos em direção à inundações encomendadas. Encomendadas pela mania do improviso e de pensar que a paciência ou resiliência da Natureza não tem limites. Tem e eles já foram ultrapassados faz tempo
Sempre é bom lembrar que caso as alterações climáticas de fato gerem o aumento do nível dos oceanos, em 2050 ou em 2100, onde cada grupo de pesquisadores, escolhe sua data do juízo final, estima-se que a região metropolitana do Rio de Janeiro, terá 1.8 milhões de habitantes desabrigados nas regiões das baixadas, sejam elas de Jacarepaguá, Sepetiba e Fluminense, quase todas representadas por pessoas das classes sócio-econômicas mais economicamente vulneráveis.
Avisados nós fomos, resta saber se estamos preparados para encarar os desafios que o futuro e nossa irresponsabilidade vão nos cobrar.