A 16ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que este ano homenageou a poeta Hilda Hilst (para a qual não há adjetivos o suficiente para tecer aqui), foi a segunda sob a batuta da jornalista Josélia Aguiar - a primeira foi ano passado e homenageou o escritor Lima Barreto - e, de um ano para outro, já foi possível perceber mudanças sensíveis que mostram que a curadora está bastante antenada nas mudanças profundas em andamento no cenário editorial brasileiro.
A primeira, e talvez mais sensível, foi o novo papel designado às editoras independentes. Se antes os selos e produções realizadas por pequenas casas editoriais ocupavam, por pura teimosia, espaços e eventos OFF-Flip, este ano muitos deles ganharam a bandeirinha oficial da Festa e isso outorga, sim, um certo protagonismo.
Neste ponto, é importante ressaltar que não se trata apenas de uma gentileza, de um gesto de generosidade da Flip com aqueles que tanto desejam seu lugarzinho ao sol ao lado das grandes gigantes que tradicionalmente participam – e patrocinam - a festa. As pequenas e independentes são hoje as principais responsáveis pela publicação dos novos escritores da literatura brasileira, incluindo nomes que já formam uma espécie de novíssimo cânone literário brasileiro como Angélica Freitas, Cristiane Sobral, Jarid Arraes e Cristóvão Tezza. É possível afirmar que uma gorda parcela das obras brasileiras mais relevantes do século XXI (e muitas vezes a de escritores internacionais contemporâneos também - vide Lina Meruane, Scholastique Mukasonga entre outros) estão saindo à luz pelas mãos desse pessoal que, cá entre nós, faz verdadeiros milagres editoriais contando com equipes enxutas, muita criatividade, trabalho primoroso e networking. Sob essa ótica, se essas pessoas não fossem pelo menos convidadas a integrar a programação oficial de uma festa que celebra a literatura, seria no mínimo suspeito.
Porém, as independentes não apenas foram integradas à programação oficial, mas também começaram a ficar bem à vontade, mudando de leve a cara e a própria configuração espacial do evento. Um exemplo foi o espaço Flipei, um barco atracado perto do casco velho da cidade e diante do qual os espectadores sentavam num gramado para ouvir debates e mesas redondas, enquanto os oradores balançavam suavemente embalados pelas marolas. Na parte de baixo da embarcação também funcionava uma livraria, conferindo um ar ainda mais pitoresco ao projeto.
Na casa dedicada à homenageada, bem no coração da Flip, diante da praça principal da cidade, além de um espacinho dedicado à maior livraria do evento, também houve lugar para instalar a primeira cervejaria-literária do Brasil, que imprime (ou publica, se preferir) em seus rótulos textos inéditos de escritores como Antonio Prata, Natalia Timerman e a própria Angélica Freita, já mencionada antes. A Cerverbaria criou uma edição especial dedicada à Hilst, com toque de goiaba. Mais um ponto para as iniciativas alternativas, independentes e de menor escala.
Para entender esse movimento é crucial ter em mente que todas essas iniciativas são muito mais ricas em diversidade do que em geral é o meio editorial mainstream (talvez porque ninguém aguente mais e tenha decidido abordar as questões de representatividade pondo a mão na massa e fazendo acontecer). Em entrevista à Carta Capital, Josélia disse que contar com mais negros e mulheres falando sobre literatura era uma decisão política e que muitas vezes isso implica em que haverá menos nomes reconhecidos pelo público.
Para mim, isso se traduz em escritores e personalidades que ainda não são populares o suficiente para lotar os eventos da Casa Vogue, por exemplo, ao lado de atores e comediantes televisivos. Porém, não posso deixar de ficar muito feliz e satisfeita com essa decisão política (e conciliadora) de Josélia. Já não era sem tempo.