Número recorde de assassinados por defender o meio ambiente. Pessoalmente não vejo qualquer novidade nessa manchete de 2018 e temo que essa realidade vergonhosa só irá piorar.
Aliás, eu até diria que qualquer profissional que atue sério em sua área de trabalho e contrarie interesses corporativistas de origem político e/ou econômica, seu destino será inevitavelmente ameaças, intimidações e por fim, a morte.
Em novembro de 2011, dois pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma bióloga da Universidade do Estado do Rio (UERJ) foram processados por danos morais devido às suas declarações públicas que segundo a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), empresa acusada de crimes ambientais pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, teriam comprometido sua imagem.
Em 2015 a situação foi bem menos sutil com a geógrafa Priscila Goes Pereira, morta com vários tiros no Rio de Janeiro, sem que até o momento se saiba quem teria praticado o crime e a verdadeira causa do assassinato. Pelo que foi divulgado na mídia, a geógrafa se mostrava preocupada com o seu ambiente de trabalho onde impunha uma seriedade incompatível com o clima pesado e corrupto na qual a mesma atuava na área de projetos de saneamento, e que tais fatos a amedrontavam. Deu no que deu.
Pessoalmente em Angra dos Reis entre os anos de 1989 e 1991, vivi um pesadelo pessoal e profissional semelhante ao da geógrafa por apenas cumprir as leis ambientais, fato que foi considerado pelos delinquentes ambientais prejudicados, um ato sem perdão e passível de pena capital. Simplesmente quem deveria proteger manguezais e demais ecossistemas, integralmente protegidos por inúmeras leis, diversas vezes viabilizavam das mais variadas formas a ocupação dessas áreas e quem estivesse impedindo a ilegalidade poderia pagar com a vida.
Após resistir por algum tempo, acabei tendo de deixar meu posto em Angra dos Reis e continuar minhas atividades profissionais e aperfeiçoamento acadêmico no Rio de Janeiro.
No entanto, pensando que no Rio de Janeiro, eu estaria livre dos problemas que me ameaçaram em Angra dos Reis, acabei entrando em novos conflitos. Ao combater despejos de esgotos generalizados na lagoa Rodrigo de Freitas, coração da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, acabei comprando uma outra briga com corporações que se beneficiavam de um dos problemas ambientais históricos da cidade e que até hoje, em pleno século XXI, continua ainda muitíssimo longe de ser resolvido na segunda metrópole brasileira, isto é, o saneamento.
Apenas depois de dez anos de contínuas denúncias nos meios de comunicação e mobilizações que juntaram no início do atual século, milhares de cariocas abraçando a lagoa Rodrigo de Freitas, conseguiu-se de quem monopolizava o teórico serviço de saneamento da região, que trabalhasse de fato. Consequentemente as periódicas mortandades de peixes que infernizavam a vida daquela parte nobre da cidade desde sempre, praticamente pararam, tornando-se eventos episódicos.
Poderia apresentar dezenas de outros casos, sempre tendo o mesmo enredo, ou seja, corporações incomodadas pela ação de cidadãos e cidadãs, dentro de seus direitos de protestar e agir contra ilegalidades cometidas, sendo intimidados e/ou mortos.
O Brasil é isso, muita festa, muita emoção, muito marketing, onde pilhas de leis ambientais mofam sem grande utilidade prática para o ambiente e tão pouco para a sociedade que paga caro pela sua elaboração e um bando de delinquentes ambientais sempre bem guarnecidos por batalhões de advogados, deitando e rolando em seu direito de degradar e processar, nos casos mais civilizados, e matar, nos casos menos civilizados seus desafetos.
Infelizmente os degradadores não temem as leis e tão pouco quem defende de fato o ambiente.
Desse jeito o colapso é certo.