A Vermelho apresenta Rotações Infinitas, a quinta exposição individual de Ana Maria Tavares na galeria, e a primeira individual da artista desde sua exposição antológica No Lugar Mesmo, que ocupou a Pinacoteca do Estado de São Paulo entre 19 de novembro de 2016 e 10 de abril de 2017, e pela qual a artista foi premiada com o Troféu APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como Melhor Exposição Retrospectiva de 2016.
Na Sala Antonio de projeção, a Vermelho apresenta os vídeos Rotação Infinita: Invenzione para Piranesi (da série Airshaft), e Utopias Desviantes II (da série Hieroglifos Socias), ambos realizados como animações digitais por Tavares em 2015.
“Nem a mim, nem a todas as pessoas que, como eu, são cultas, poderá o ornamento aumentar a alegria de viver. Se eu quiser comer um pedaço de bolo, escolho um que seja "liso", e não um em forma de coração ou seja lá do que for, coberto e recoberto de ornamentos. O homem do século XV não me compreenderá, mas todas as pessoas modernas me compreenderão. O defensor do ornamento acredita que a minha ânsia pela simplicidade equivale a uma flagelação. Não, caro Senhor Professor da Escola de Artes, eu não me estou a autoflagelar. É mesmo assim que eu gosto.”
Trecho de “Ornamento e Crime”, de Adolf Loos, 1910.
O conjunto de trabalhos apresentados em Rotações Infinitas partem de uma vontade recorrente na produção de Tavares: apontar para o fato de que apesar dos enormes esforços em direção a um certo purismo programático no campo da arquitetura modernista, essa nunca conseguiu de fato eliminar o ornamento. Tavares questiona o manifesto Ornamento e Crime, de Adolf Loos (1910), aonde o arquiteto determina uma arquitetura moderna travestida de um purismo que se associa às intolerâncias raciais e de classe. O purismo reclamado por Loos rapidamente se aproxima dos ideais clássicos e, assim, de movimentos eugênicos como do fascismo italiano e do nazismo alemão.
18 anos depois do manifesto de Loos, a Alemanha da República de Weimar comissionou de Ludwig Mies van der Rohe a direção artística e a construção de todas as seções da participação alemã na Exposição Internacional de Barcelona de 1929, que incluía o Pavilhão Barcelona. Considerado um marco da arquitetura moderna, o pavilhão deveria representar o espírito de uma nova era para a Alemanha, uma nação democrática, próspera e culturalmente progressiva. Mies, assim, desenhou uma estrutura de espaço contínuo, que borrava os limites entre interior e exterior. O telhado da estrutura é apoiado apenas por 8 colunas cruciformes cromadas. Mas o prédio não é uma marquise; ele é considerado uma construção hibrida no sentido arquitetônico, já que algumas paredes também servem como suporte para o telhado flutuante, bem como para dirigir os frequentadores em sua passagem pelo prédio. Como o edifício não deveria abrigar exposições, mas servir apenas como passagem, os materiais escolhidos por Mies eram exóticos e tratavam a edificação como sua própria exposição: as paredes eram feitas de pedras de alta qualidade, como o ônix dourado e o mármore verde da ilha de Tino, na Grécia. Os vidros eram tingidos de cinza, verde e branco, além de serem usados como transparências. As colunas cromadas refletiam e multiplicavam todo o espaço dentro de si.
Tavares observa que o ornamento execrado pelos modernistas se adapta aos materiais em lugar dos adornos prostéticos, mesmo que dentro da dinâmica das formas industriais. Os elementos utilizados por Mies van der Rohe no Pavilhão Barcelona são os mais típicos (as deposições minerais, os metais e as transparências). A artista coloca em cheque o fato de tais materiais trazerem em si estratégias decorativas, assim ornamentais e, por tanto, contaminadas, dentro da noção da assepsia difundida por Loos.