O fenómeno contemporâneo dos vazios urbanos do tecido consolidado das grandes cidades foca-se em terrenos e em edifícios que passaram por um processo de esvaziamento e que permanecem livres, desocupados, e ainda incertos.

A presença destes terrenos livres e de edifícios vazios suscita a hipótese de que as grandes cidades poderiam ser consideradas produtoras de vazios urbanos e que a apreensão dos seus diferentes significados torna-se uma questão paradigmática para a compreensão da dinâmica urbana dessas cidades e do papel que eles (terrenos e edifícios) desempenham no desenvolvimento urbano.

A preocupação do vazio urbano que contrasta com a massa construída das nossas cidades pelas suas condições de uso e ocupação e por não cumprirem a sua função social – sem usos, sem ocupação, subutilizados -, é um tema recente. Até há poucas décadas, as áreas vazias significavam expansão. Em oposição às áreas cheias, densas, consolidadas, os espaços vazios eram sinónimo de crescimento da cidade. Os espaços vazios distinguiam-se pelas áreas verdes e pelas praças em oposição aos espaços cheios, ao edificado – vazios e cheios davam ritmo à cidade. Tudo acontece em relação à rua. Le Corbusier (2008: 70), refere-se à rua como sendo um lugar onde o movimento e o estático se combinam.

A partir de meados do século XIX, o vazio torna-se uma categoria inquietante no contexto da vida urbana. Este é o momento em que as condições urbanas de grandes cidades, como o caso de Londres e Paris, agravam com o crescimento físico e populacional e atingem dimensões metropolitanas. O tecido urbano dessas cidades propulsoras da Revolução Industrial torna-se denso e o vazio urbano passa a constituir-se como um fenómeno significativo e a despertar reflexões no campo do urbanismo.

Mais tarde, é possível perceber a formação de reflexões teóricas produzidas sobre o tema e a consolidação do projeto urbano como proposta de intervenção urbana associada a planos estratégicos e a parcerias público-privadas. Há uma relação intrínseca entra o estado morfológico da cidade e o edificado.

“Uma cidade é uma organização mutável com fins variados, um conjunto com muitas funções criado por muitos, de um modo relativamente rápido. Uma especialização total, uma engrenagem perfeita são improváveis e indesejáveis. A forma tem, de certo modo, que ser não comprometedora, moldável aos propósitos e às percepções dos cidadãos.” (2009:95) Kevin Lynch afirma que temos a oportunidade de formar o nosso mundo citadino como sendo uma paisagem ideal, visível, coerente e clara. Assim, será necessária uma atitude da parte do habitante da cidade dando novas formas aos meio físico que ele domina, formas que acima de tudo se organizam gradualmente no espaço e no tempo e que se remetem para as necessidades.

Ao longo do século XX, manter uma situação de espaço vazio urbano numa área valorizada passa a ser tão, ou mais rentável, do ponto de vista do mercado, em ocupá-la ou reutilizá-la. Com a valorização do solo urbano, as situações de vazio urbano passam a ser produzidas e reproduzidas – acções orientadas para a apropriação cultural, residencial ou comercial, dos espaços vazios inscrevem as cidades numa nova sociabilidade urbana, fundada no reconhecimento da diversidade do espaço urbano.

Denota-se, assim a criação e o aparecimento de projetos e de programas urbanos voltados para a invenção e para a difusão de um novo conceito de património e para a dotação de novas infra-estruturas necessárias à integração das cidades no sistema urbano contemporâneo.

A impressão que os vazios urbanos das nossas cidades causa nos nossos percursos quotidianos é o “silêncio”. Ainda que sejam diferentes, uns ocupados por estruturas, outros vazios, outros marginalizados, todos eles despertam a necessidade de novas estruturas urbanas e arquitectónicas.

O urbanismo, como a arquitetura, depende muito da linguagem corporal. A maior ou a menor escala, é na expressão física das coisas que consideramos a relação que mantemos com elas. Neste caso, numa cidade, o lugar em que as coisas estão vem por acréscimo e por elementar consequência.

Bibliografia

  • Corbusier, Le. (2008). Maneira de Pensar o Urbanismo. Mem. Martins: Publicações Europa-América.

  • Lynch, Kevin. (2009). A imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70, Lda.

  • Jorge, Pedro António Fonseca. (2007). Vazios Úteis – Cerzir a Cidade. Seminário de Estudos Urbanos – Vazios Úteis.

  • Rossi, Aldo. (2001). A arquitetura da cidade. Lisboa: Edições Cosmos.