Usada para descrever a dor (ἄλγος) do retorno ao lar (νόστος), a palavra grega nostalgia viajou através dos tempos e aportou em diversas línguas, deixando nelas o sentido de um sentimento de algo bom que passou e que recordamos com um sorriso nos lábios. É bem provável que as novas gerações não conheçam essa palavra, mas a hashtag #tbt, sim. Talvez o mesmo raciocínio seja válido para as gerações mais antigas e, portanto, também aqui explico: #tbt quer dizer em inglês Throwback Thursday, i.e., a hashtag é acompanhada de uma memória (geralmente uma foto antiga) que é publicada nas redes sociais toda quinta-feira.
O sentimento de retorno a um momento passado é o mesmo, mas a sua manifestação, não mais. Um cheiro, um lugar, uma melodia, um objeto, uma pessoa. Tudo o que nossos sentidos apreendem e guardam em nossa memória pode ser reativado em uma fagulha de momento. Entretanto, hoje em dia, nem precisamos de fato cheirar, estar presente, ouvir ou tocar. Nossa memória se sustenta por simulacros digitais que emulam o real e que enganam o nosso cérebro, nos transportando para aquele momento primordial sem depender de nada físico. Basta colocarmos um #tbt e pronto!
Antes de toda essa era digital, o suporte da minha memória era totalmente palpável: fotos, relatos em diários, tickets de cinemas e shows, cartas/cartões ganhos. Sou dessas que guardam qualquer resquício que me faça lembrar de algo bom, mas sei que isso está a caminho do fim. É só tirar uma foto no celular e a nuvem se encarrega de guardar isso para a eternidade. É simples, rápido, infinito, não toma espaço e nem pega pó. Como não se render?
Hoje, tudo está diante do meu indicador, de uma tela touch e codificado por algum programador em uma salinha qualquer: aplicativos que resgatam tudo o que você fez na sua vida digital em redes sociais e te deixam como no Poema de Sete Faces de Drummond:
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Antes, compartilhar memórias era algo feito tête-a-tête, o que pressupunha o mesmo tempo e o espaço. Agora, tais barreiras foram quebradas e basta um aplicativo de chat usado por milhões ao redor do globo e uma conexão para que a mesma mágica nostálgica aconteça. E não mais apenas com uma pessoa. Agora, a sua memória é vista por muitos, o que também você controla com um simples toque.
Há muita coisa ruim na nossa vida digital, mas vamos dar a César o que é de César: essa nostalgia facilitada nos aproxima dos queridos que estão longe no tempo, no espaço e dos já ausentes na mesma fração de segundo que o nosso cérebro é capaz de nos transportar diante de um cheiro, um lugar, uma melodia, um objeto ou uma pessoa. Quando o compartilhamento de nossas memórias é singelo e significativo, como quando nos sentávamos para ver nossos álbuns de infância, dá gosto de ver e nos deixam assim, drummondianos. Então, não deixe de compartilhar a sua nostalgia digital com aqueles que ainda são e os faça sorrir.