Na semana do ambiente, sempre me lembro que no mês de junho de 1990, exatamente no dia 12 de junho daquele ano, eu saía do Brasil praticamente foragido em direção a Alemanha e posteriormente para a Áustria onde organizações não governamentais locais iriam me receber e onde eu daria várias palestras. A viagem se devia pela reação violenta das forças econômicas e políticas que reinavam absolutas no município de Angra dos Reis naqueles anos principalmente em relação as ações de controle ambiental que eu vinha executando pela prefeitura local.
Simplesmente naquele balneário do sul do estado do Rio de Janeiro, concentrador das maiores fortunas brasileiras, era regra degradar manguezais, costões rochosos, privatizar praias e cometer todos os mais variados delitos ambientais sem qualquer tipo de reação dos órgãos ambientais que existiam naquela época. Tais órgãos, estaduais e federais, ao contrário de fiscalizar e proteger, agiam no sentido de legalizar o ilegalizável onde, dentro desta ótica, praticamente 60% dos manguezais da baía de Ilha Grande tinham sido ou estavam em vias de ser suprimidos visando a instalação de loteamentos e marinas. Reitero, tudo autorizado pelos órgãos ambientais estaduais e federais.
Infelizmente para os degradadores, em 1989, foi criado o departamento de controle ambiental da prefeitura de Angra dos Reis, uma promessa eleitoral e que teve a sua frente um jovem biólogo que "apenas" cumpriu o que estava determinado nas legislações ambientais federais, estaduais e municipais.
Imaginem, num Brasil onde o que "valia" era exclusivamente o dinheiro, onde os poderes públicos existiam exclusivamente para dar conta das demandas do poder econômico, é claro que a resposta da parte prejudicada pela aplicação das leis não tardou a acontecer.
A cada visita nas áreas de proteção ambiental nas quais eu atuava contra a especulação imobiliária local, ameaças de morte ocorriam por telefone na casa de meus pais no Rio de Janeiro, exigindo da minha parte uma série de ações de proteção até que a situação saiu do controle. Em 1990, fui informado em certo momento que havia sido contratada uma pessoa para me matar em virtude de minhas ações que vinham contrariando os interesses econômicos locais. Em virtude disso e por meio de apoios recebidos por políticos no Rio de Janeiro e por parte da imprensa, a ONG alemã ASW, preocupada com a minha segurança, preferiu que eu me abrigasse durante o período da copa do mundo de 1990 na Europa e que lá decidisse o que iria fazer de minha vida.
Visitei várias cidades alemãs e austríacas onde sempre fui calorosamente recebido e onde a maior dificuldade para os não brasileiros era explicar como que alguém que cumpria a lei era obrigado a fugir de seu país. Perdi muito tempo para explicar a situação mas tenho certeza que a maioria que não conhecia o Brasil, ficou sem entender.
Voltei ao Brasil em agosto do mesmo ano, retomando minhas atividades no departamento de controle ambiental que duraram mais alguns meses, pois mais uma vez em maio de 1991 eu receberia mais um lote de ameaças e no dia que eu doava equipamentos para a criação de um horto municipal, dinheiro doado pela revista alemã GEO, eu era praticamente expulso do município de Angra dos Reis por ser considerado um funcionário fantasma por parte de vereadores da câmara municipal. Enfim, melhor um fantasma vivo do que um fantasma morto!
De toda aquela situação, onde felizmente sai vivo, ficaram alguma marcas emocionais irremovíveis na cabeça de quem passou por aqueles dois anos de tormento e principalmente uma certeza: no Brasil você ter opinião própria, independente de qual seja, e mais, cumprir a legislação ambiental num cargo de poder efetivo, é um pecado mortal, uma quase sentença de morte, seja na área que você atuar contrariando as quadrilhas que dominam a máquina pública, sua vida e potencialmente de seus familiares estará correndo perigo.
Não tenho dúvidas que muito provavelmente deva ter sido algo parecido que aconteceu com a geógrafa Priscila de Góes Pereira, de 38 anos morta em outubro de 2015 com sete tiros num suposto assalto o que na verdade foi uma execução. A geógrafa vinha supostamente criando problemas por meio de seu trabalho de fiscalização em projetos ambientais na baía de Guanabara. Fato é que até hoje nada foi efetivamente comprovado e os assassinos, executante e mandante, continuam soltos enquanto a filha da geógrafa perdeu sua mãe, exclusivamente por estar cumprindo suas obrigações profissionais.
Por essas e por tantas outras é que eu vejo de forma bastante pragmática um futuro ambiental cada vez mais desbotado no Brasil, onde o ambiente nada mais é para a grande maioria, algo abstrato para ser consumido até seu esgotamento, algo que por ser de todos não pertence a ninguém, típico resultado de uma cultura de colônia de exploração.
Não é por outro motivo que uma cidade como o Rio de Janeiro que se vende como vitrine do Brasil, que se vende como uma cidade turística tendo como seu maior ativo econômico-ambiental sua natureza, suas praias, têm a maior parte desse mesmo patrimônio ambiental completamente sucateado e sem perspectiva de melhora.
Para quem ama o ambiente, como não poderia ser de outra maneira, viver e trabalhar no Rio de Janeiro é lutar entrincheirado na última linha de defesa ambiental num paraíso que se transformou no verdadeiro «purgatório da beleza e do caos».