δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo

(Arquimedes de Siracusa)

Dos cursos

No âmbito de cada Faculdade e Universidade, os cursos emergem de uma necessidade sentida por razões de política científica, são debatidos, propostos, desenhados, justificados. É massa crítica da mais elevada craveira científica nacional que, por escola, se reúne para pensar o problema e o conceber.

Desse labor, nasceram licenciaturas (em 2016, assinalavam-se 1060 licenciaturas e mestrados integrados), das quais 45 não receberam nenhuma candidatura na 1ª fase de 2016, apenas 37 cursos apresentam 100% de absorção no mercado de trabalho e 50 têm uma taxa de desemprego superior a 20%.

A Agência A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior) assume a avaliação de Novos Ciclos de Estudos, de Ciclos de Estudos em Funcionamento, da Renovação da Acreditação e de Sistemas Internos de Garantia da Qualidade.

A FCT (Fundação da Ciência e Tecnologia), por seu turno, avalia a investigação científica produzida pela massa crítica que se reúne em centros de investigação.

Ambas se cruzam no que respeita a programas de doutoramento sediados em centros de investigação e, às vezes, divergindo, como assinala David Marçal no blog de referência De Rerum Natura, onde faz a identificação e levantamento de problemas da avaliação promovidas por ambas as instituições.

Ambas avaliam o que cada Universidade, Faculdade e Centro de Investigação já avaliou e aceitou como bom. E discordam com muita frequência.

Por exemplo, A A3ES aprovou a abertura de 43 novas licenciaturas em 2017-18, dentre as 79 propostas, tendo rejeitado, portanto, 36.

No caso da FCT, instituição nacional que tutela a investigação em Portugal, o último processo de avaliação tornou evidente a total inadequação do perfil dos avaliadores ao trabalho a avaliar (p. ex., no caso das culturas e literaturas portuguesas e lusófonas, os seus CVs demonstravam, como assinalado publicamente, completa distância da língua, das áreas culturais e das matérias abordadas), a incorreção dos procedimentos (mudando as regras durante o processo, p. ex.), etc..

Remeto para o muito oportuno, informado, minucioso e corajoso dossier de acompanhamento do da avaliação internacional dos centros de investigação nacionais coordenado por Carlos Fiolhais, que a classificou, no fim, como “medíocre” (v. post “A Avaliação da FCT: Medíocre” ). Toda esta matéria foi compilada no lnavaliacao.pt: o Livro negro da avaliação científica em Portugal (Principais comunicados, cartas, crónicas de imprensa e textos sobre a perversão e adulteração do sistema de avaliação científica em Portugal em 2014 e 2015), Setembro de 2015, da autoria de 5 autores de referência, um deles antigo presidente da própria FCT (João Sentieiro), que denuncia os problemas.

Valeria a pena averiguar como é que o mercado de trabalho avalia os licenciados das diferentes áreas, quer na fase de contratação, quer na do seu exercício, pois esse interface poderia modelar melhor a adequação de ambos, informando ambos os lados sobre as necessidades e valências de cada um e do modo como, afinal, cada um pode ser estratégico para o outro.

Não me refiro a adequar os cursos ao mercado de trabalho, mas a carrear para eles o que aqui se observe e possa ser matéria de reflexão no ensino, assim como esclarecer o mercado sobre as vantagens de acolher aqueles que, de áreas habitualmente excêntricas às dos seus colaboradores, poderiam renovar e reinventar os modos de estar e de fazer empresariais. Os estágios seriam um oportuno ‘balão de ensaio’ para essa reflexão, evitando frequentes reacções negativas das instituições à sua realização, alegando que esses formandos ocupam demasiado os seus recursos humanos e logística, “exigem mais do que produzem”…

Dos CVs

Cada universidade tem e exige o seu modelo de CV, a FCT tem outro, a Plataforma DeGóis tem outro, os formulários dos relatórios dos centros de investigação não apresentam correspondência com nenhum dos anteriores. E o docente e investigador tem, a cada momento, de actualizar o cv e de preencher formulários diferentes, procurando fazer as conversões dos itens curriculares, nem sempre pacíficas, muitas vezes discutíveis, e corresponder a exigências específicas de cada um. Por vezes, dessas actualizações apressadas (porque multiplicadas), dependem as bolsas de orientandos…

Ora, com as bases de dados que hoje temos, bastaria ter um CV institucional, a que toda a avaliação se reportaria, e o docente e investigador evitaria exaurir-se numa tarefa que se replica e que o indisponibiliza para tarefas criativas e reflexivas, verdadeiramente científicas.

Da docência

No quadro da autonomia universitária, cada instituição concebeu e elaborou o seu regulamento de avaliação, mesmo procurando aproximações, nomeou as suas Comissões (da instituição), os seus calendários e as suas fichas de avaliação para os docentes preencherem. O processo está em curso.

Tudo se baseia em documentação centrada em fichas com 4 ou 5 parâmetros (docência, investigação, extensão universitária, gestão na instituição, desenvolvimento individual) distribuídos por fichas com estrutura fixa e limite de linhas. Por vezes, a ficha anuncia a possibilidade de adaptação ao perfil do profissional, contemplando a alteração da relação percentual de variação.

A avaliação pode valorar aspectos que vão da “preparação” das aulas ao “relacionamento interpessoal” e “com os alunos” ou às “competências de liderança, coordenação e sentido de compromisso institucional”.

De toda a diversidade de fichas e de regulamentos, de critérios e de parâmetros, resulta evidente que, em muitos casos, a academia

• em alguns casos, avalia “capacidades”, “competências”, “relacionamento” e/ou “sentidos” com base numa textualidade fixa e de relatório formatado, formulário;

• concebe um programa de avaliação que

  • não reflecte/replica os critérios que a avaliam a ela (nos diferentes rankings internacionais, na Agência 3AEs, na FCT) nem alguns itens inerentes ao exercício docente, dos quais, as taxas de aprovação;

  • tem uma dimensão redundante (caso de materiais de docência, já ponderados em sede de coordenação de disciplinas) não aferida (caso de aspectos já avaliados em sede de concurso ou prova académico/a);

  • não afere com a avaliação de si pelos alunos nem pelo mercado de trabalho;

  • não afere com uma leitura linear-temporal da evolução dos alunos através dos anos, confrontando resultados entre anos, entre disciplinas, entre licenciaturas, etc.;

  • decorrendo no interior da mesma instituição, não prevê:

· o impacte do factor da relação interpessoal (positiva ou negativa), ou seja, do conflito de interesses, na avaliação nem antes, nem durante, nem após o exercício avaliativo;

· a avaliação do avaliador pelos avaliados, colegas, afinal, de anos, que o conhecem bem.

Por outro lado, nos casos em que o formulário informativo

• consagra variação no perfil do docente, a verdade é que medir é comparar com um padrão comum. Ora, a variação do perfil não permite ter esse padrão comum e o avaliado desconhece o impacte que essa variação pode ter na avaliação (o que é que o avaliador valoriza ou desvaloriza);

• tem linhas fixas e limitadas de itens, não permite comparar a quantidade nos mesmos itens, reduzindo e nivelando por baixo, uma vez que impede de enumerar, de facto, o trabalho mais extenso, impedindo o avaliado com mais informação curricular de relatar, de facto, o seu efetivo desempenho e beneficiando, com isso, o que tenha menos informação.

E ainda poderíamos falar das situações em que se pedem materiais que o docente entenda enviar, abrindo a tipologia até a vídeos: o quê e como comparar?

Acrescentemos a avaliação da publicação em função do valor atribuído a editoras e a periódicos. Em ambos os palcos, o cenário é surpreendente e dispensa comentários. No caso das editoras:

• Total de editoras: 2.330 editoras;
• Editoras em língua portuguesa: 237 (c. 10%), das quais 117 (49%) são instituições estatais que também têm esse estatuto (universidades, politécnicos, institutos, centros de investigação e de cultura), 7 (2,9%) são Fundações e 1 está extinta desde 2002 (a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses foi extinta pelo artigo 2.º da Lei n.º 16-A/2002). Resta um cenário de c. de menos de 50% de editoras de língua portuguesa, sendo certo que o número indexado é muito menor do que o de editoras consagradas na APEL e já nem refiro o mundo lusófono, pois só em S. Paulo há mais de 1000 editoras em funcionamento;
• Editoras de referência de espaços culturais nacionais cotadas com B como outras banais editoras: Biblioteca Nacional de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Imprensa da Universidade de Coimbra, Imprensa da Universidade de Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda;
• Editora da instituição que tutela a investigação científica portuguesa cotada com C, abaixo de banais editoras cujas edições mais destacadas financia e ao mesmo nível de 303 outras editoras: Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Nos periódicos indexados, a situação é de abissal diferença entre os de língua portuguesa e os outros: para só mencionar os 3.000 primeiros títulos (número que não chega a contabilizar todos os títulos iniciados pela letra A), apenas 25 são de língua portuguesa (e alguns dos casos ainda são duvidosos, por repetição do título ou pela sua formulação).

Se fizermos o confronto entre a publicação (editoras e periódicos) de reflexão científica e mais tradicionalmente entendida como do campo das humanidades, estaríamos a falar do massacre das nossas Letras, a instância onde a identidade, a cultura, a comunidade se pensam nacionalmente, ainda que no interface com os seus homólogos. Em suma, trata-se de apagar a nacionalidade e o bloco linguístico de língua oficial portuguesa, cuja importância já salientámos atrás, mesmo no seu confronto com os outros, e de fazer pagar uma elevadíssima factura a quem o estuda, ou seja, penalizá-lo na avaliação do desempenho.

Assim sendo, onde, como e para quem publicar em língua portuguesa? E, mais interessante ainda: no caso de estudos sobre a cultura portuguesa e as suas manifestações literárias (as únicas com discurso verbal), para quê, para quem e onde publicar, uma vez que a matéria (corpus de língua portuguesa) não é conhecida senão raramente em tradução? Enfim, trata-se de evitar partilhar o conhecimento de nós, falantes da língua portuguesa, sobre nós mesmos.

Por outro lado: a avaliação é por quem?
Por quem já a realizou nos seus procedimentos periódicos (em sede de concursos, provas, coordenações, etc.). Assim sendo, a Comissão institucional (CADD) vai contrariar ou validar a avaliação já produzida pelos pares? Se contrariar, está a desautorizar a instituição que representa; se validar, apenas *reforça a instituição. Em ambos os casos, qual o benefício público, comunitário, institucional e individual da avaliação em curso que tanto investimento exige aos docentes em prejuízo do seu trabalho habitual (enumerado nos parâmetros da avaliação).

Impõe-se a pergunta: a avaliação é para quê?

As respostas/justificações institucionais têm sido várias:

A. Para serem cada vez melhores no seu entendimento*.

Então, porque não se usa um mesmo padrão de medição único e que contemple também resultados como taxas de aprovação? Esse padrão permitiria observar e comparar de facto sincrónica, diacrónica e comparativamente (na instituição e com outras) o desempenho dos docentes:

1) nos mesmos anos, nas mesmas e nas diferentes disciplinas;
2) na sua variação ano a ano, observação que poderia, ainda, ter o seu confronto com a média dos resultados de cada disciplina;
3) inscrevendo-o num padrão mais geral e nacional, que relativize o grau de variação da bitola avaliativa. Isto potenciaria uma plataforma nacional para onde convergissem os dados dos docentes e investigadores, que contemplassem uma média da escola (elemento de comparação), o factores de cotação da escola nos rankings (a ponderar na avaliação individual), etc.: um desempenho individual tem de ser comparado com e no seu contexto e com o padrão médio de outros…

B. Para serem cada vez melhores na perspectiva dos seus docentes.

Então, porque não se contempla, de facto, uma componente de contribuição do avaliado para a instituição e a avaliação do avaliador (sugestões, identificação do que pode ser melhorado)? Os inquéritos periódicos repetem-se inalterados, apesar de os docentes proporem alterações no sentido do seu melhoramento. As taxas de abstenção, quando não são de resposta obrigatória, são expressivas do sentimento do público-alvo.

C. Para serem cada vez melhores na perspectiva dos seus alunos.

Então, porque é que não se faz interferir este dado no processo? As taxas de abstenção aos inquéritos, quando não são de resposta obrigatória, são, mais uma vez, expressivas do sentimento do público-alvo.

D. Para serem cada vez melhores na perspectiva da sociedade.

Então, porque não tentar obter estes dados para o processo, observando a presença dos seus docentes nesse meio e reportando-a à taxa média da representação dos docentes da mesma faculdade?

Para as respostas anteriores: então, porquê penalizar a língua portuguesa e o seu corpus de trabalho?

E. Para ser uma universidade mais cotada nos rankings nacionais e nos internacionais?

Então, por que razão não reflecte o modelo implementado pelas faculdades os critérios e parâmetros de avaliação (de alguns) desses rankings?

Os avaliados oscilam entre encarar estas avaliações como um exercício de prestação de contas a somar a tantos outros anuais (caso dos Relatórios para a FCT, nos centros, nas associações culturais, etc.) ou como uma verdadeira auditoria ao seu trabalho. E ficam na expectativa das consequências.

Enfim, distraídos até à avaliação, os docentes confrontam-se, por fim, com os formulários e começam a sentir uma transformação semelhante à sinalizada pela sucessiva queda/retirada irónica das letras da porta daquela sala que foi de DOCENTES, de DOENTES, de ENTES, de ETS, de TS e de T… até à distribuição do espaço para outra finalidade.

Transversalidades

Ponderemos brevemente os “avaliados”.

Entre 1974 e 1975, as universidades redimensionaram-se: os departamentos decuplicaram os docentes, multiplicaram os funcionários, os centros de investigação. Essa geração, realizou o seu percurso com quadros alargados e chegou ao topo da carreira. Está à beira da reforma.

A geração que, uma década após, iniciou o seu percurso académico e de investigação confrontou-se com um progressivo fechamento das instituições às contratações e a ocupação dos lugares de topo. Fez toda a sua qualificação através de provas (às vezes, até da agregação), está com c. de mais 10 anos de vida activa, mas sem esperança de chegar ao topo da carreira. Apenas excepcionalmente se fizeram contratações, pelo que não houve, em bom rigor, renovação do corpo docente e de investigadores, muito menos, o seu crescimento. É, pois, sobre esse envelhecido corpo docente e de investigadores que deram o seu melhor para a qualificação das suas instituições e que nelas foram avaliados em quase todo o itinerário de provas e etapas académicas que se exerce a (re)avaliação: nos centros (anual), nas faculdades (com a exigência de actualização que cada programa lhe exige semestralmente) e na avaliação do desempenho (anual mas com prestação bienal). Assim sendo, a avaliação do desempenho deixa de ter a função formativa que poderia ter na passagem do testemunho a novas gerações académicas, renovadoras do corpo de docentes e de investigadores, reforçando as mais óbvias.

No caso dos investigadores que não são docentes da instituição a que o centro pertence, correspondem, com entusiasmo, aos desafios da investigação, mas com aborrecimento às exigências dos relatórios oficiais periódicos, burocracia demolidora para o entusiasmo do conhecimento. O seu sentido de vinculação é grande, mas pouco “correspondente” a essa rotina burocrática de um centro que, com a integração nas faculdades, deixou de poder reconhecer-lhe o fraterno direito do voto ou de coordenação, centro que eles sentem penalizado por avaliações em cujos resultados não se reconhecem (nem eles, nem os colegas, nem o conjunto da unidade).

Identificados os problemas, porque continuar com os mesmos padrões e lugares de medição?

δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo

(Arquimedes de Siracusa)