Localizado a cinco minutos a pé da Gran Vía de Madrid e dos seus grandes teatros e cartazes luminosos, aonde se vêm estampados títulos e rostos célebres, está o "Microteatro por Dinero" - uma casinha discreta na também discreta "calle Chicote y Loreto".
A bilheteria fica na rua, mas quem não quiser assistir a nenhuma obra pode simplesmente entrar e ficar no bar (idêntico a qualquer bar típico daquela região, entre Chueca e Malasaña). Cinco peças estão em cartaz ao mesmo tempo, e as sessões de uma mesma obra normalmente acontecem a cada vinte minutos, assim o visitante pode compaginar várias sessões (ou todas elas) numa mesma noite.
Compramos as entradas, esperamos no bar até que uma espécie de hostess anuncia num microfone o número da sala onde a sessão começará em cinco minutos. Ao reconhecer o número da nossa sala, nos apresentamos diante de uma escada que nos levará ao andar de baixo. Neste momento, diante das escadas, conhecemos aqueles que serão nossos companheiros de catarse. Forma-se esse pequeno coletivo que experimentará junto o que para Aristóteles era a purgação, a libertação das impurezas, nessa experiência tão subjetiva, porém ao mesmo tempo intrinsicamente grupal e ritualística, que é o teatro.
O grupo desce as escadas escuras e ao chegar ao subsolo, nos detemos diante de uma porta preta, grossa e pesada, aguardando mais instruções. Alguém ansioso nas primeiras filas tenta espiar. No entanto, no microteatro é comum que haja entre a micro plateia pelo menos um habitué, às vezes um pouco pentelho, que se sente à vontade para dizer o que os demais podem e não podem fazer. A mesma hostess de antes, aparece através da porta preta e nos pede que façamos silêncio ao passar pelo corredor, para não atrapalhar as obras que estão em andamento.
No corredor passamos diante das portas das micro-salas de teatro. Como não há luz, somos quase unicamente guiados pelos sons - diálogos, música, risadas – até chegar ao nosso microcosmos dramático. Às vezes nos esperam os atores, imóveis, preparados para o início da ação, às vezes não, e às vezes apenas um deles. A sala é minúscula e os mais tímidos marinheiros de primeira viagem, temerosos ao estar literalmente dentro do palco (apesar de a quarta parede não ser eliminada, é importante destacar) buscam os banquinhos mais ao fundo. O que pode ser um erro se você é baixo, pois Murphy pode fazer com que uma das únicas pessoas com mais de 1,90m na Espanha se sente exatamente na sua frente, e num espaço tão pequeno essa situação é mais complicada que o normal.
Começa a peça. Qualquer tema é passível de ser visto no micro-teatro - amor, amizade, tecnologia, sexo, star wars - e normalmente cada mês tem um eixo temático principal, dentro do qual as peças têm que se encaixar. O desafio, que pode deixar os mais descrentes desconfiados antes de experimentar, é fazer todo um enredo teatral caber em quinze minutos. É possível?
É. A ação se desenrola em uma cena única onde temos uma introdução das personagens, que chegam a um conflito, que atinge seu clímax e um desfecho, que aponta para a resolução do mesmo. Ou seja, as mesmas etapas próprias do teatro tradicional, mas dentro de um conceito atomizado, exuto. Os próprios idealizadores fazem um paralelo com o cinema afirmando que as “micro obras” são o correspondente teatral dos curtas-metragens, e essa lógica faz todo os sentido quando pensamos em termos de recursos narrativos, na economia da ação. Os enredos são muito eficazes e nos absorvem à medida que entretêm. O tempo passa por aquele processo de suspensão que acontece quando estamos envolvidos numa narrativa, e quando a peça termina, sabemos que foram só 15 minutos, mas não sentimos a passagem desse tempo objetivo. Ao mesmo tempo que não notamos essa passagem temporal, porque a experiência é divertida e prazerosa, também parece que o tempo que passamos ali se expandiu porque coube todo aquele enredo, todo aquele universo, dentro de míseros 15 minutos.
Se apagam as luzes, mas nenhuma cortina cai. Se acendem novamente, olhamos uns para os outros como cúmplices de um crime, para os atores que nos olham de volta um a um, avaliando as reações individuais, como quem pergunta se gostamos, e então não nos resta outra: sorrimos e aplaudimos.