Uma questão sempre muito pertinente e atual: Por que o ser humano se deixa dominar pelo ódio? Por que na manifestação deste ódio são cometidas tantas violências? Por que o ser humano se comporta ainda de maneira tão primitiva do ponto de vista emocional?
Lançando um olhar de relance à história da humanidade, poder-se-ia dizer até que as manifestações de violência são tão antigas quanto a própria humanidade e o Planeta, parecendo ter nascido junto com eles. Observa-se ainda que, a despeito da velocidade espantosa dos avanços tecnológicos da humanidade, o ser humano do ponto de vista de seu comportamento e atitudes na maioria das vezes se deixa guiar pelo instinto da agressividade, deixando de lado o elemento que o distingue e diferencia dos demais animais, apresentando em suas reações um limiar muito baixo de resposta quando se trata de responder a ofensas e/ou agravos sofridos. Isto tanto no contexto público quanto no contexto privado.
Para uma questão atual, uma velha controvérsia
Em sua obra “O mal-estar na civilização” Freud já teria afirmado em 1930 que entre os dotes instintivos do ser humano, deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Como uma consequência disso, o seu próximo é para ele, não apenas um parceiro de luta ou um objeto sexual, mas também alguém sobre o qual se sente inclinado a satisfazer sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Freud observa que em circunstâncias que lhe são favoráveis, isto é, quando as forças que normalmente a inibem se encontram fora de ação, a agressividade humana se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma “besta selvagem”, a quem a consideração para com a própria espécie é algo estranho. O autor faz uma retrospectiva e relembra as atrocidades cometidas durante as migrações raciais ou as invasões dos hunos pelos mongóis sob a chefia de Gengis Khan e Tamerlão, ou na captura de Jerusalém pelos piedosos cruzados, ou até mesmo os horrores da 1ª Guerra Mundial (isto porque a 2ª Grande Guerra ainda estava por vir).
Freud postula finalmente que a inclinação para a agressão constitui, no homem, “uma disposição instintiva original e auto-subsistente”, sendo ela o maior impedimento para a civilização. Esta última, a civilização, constitui segundo o autor “um processo a serviço de Eros (instinto de vida), cujo propósito é combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única grande unidade, a unidade da humanidade” (Freud, 1930/1980, p. 145).
Por outro lado, a tradicional posição da Psicologia Existencial Humanista é a de que “o homem é naturalmente bom, a sociedade é que o corrompe”.
Nas palavras de Carl Rogers:
“Sinto pouca simpatia pela ideia bastante generalizada de que o homem é fundamentalmente irracional e que os seus impulsos, quando não controlados, levam à destruição de si e dos outros. O comportamento humano é extremamente racional, evoluindo com uma complexidade sutil e ordenada para os objetivos que o seu organismo se esforça em atingir. A tragédia, para muitos de nós deriva do fato de as nossas defesas nos impedirem de surpreender essa racionalidade, de modo que estamos conscientemente a caminhar numa direção, quando organicamente seguimos outra (Rogers, 1969, p. 173, apud Fadiman & Frager, 1979, p. 222).”
Outros ainda atribuem o fato às desigualdades sociais ou à influência da propriedade privada. A riqueza privada confere poder ao indivíduo e, com ele, a tentação de maltratar o próximo; por outro lado, aquele que é destituído de posses estaria fadado a se rebelar e a manifestar hostilidade contra seu opressor.
Há que se lembrar ainda a visão atual dentro da psicologia que justifica atos de violência de seus membros, particularmente de adolescentes que cometem infrações, como uma manifestação e uma consequência do “sistema familiar ferido”, sugerindo que a gênese está na própria cultura, a família da família.
Venho propor que pensemos a superação das manifestações de violência e ódio exercendo a capacidade de autodomínio do ser humano pela via da consciência e do livre arbítrio. Segundo Köller (2004), uma das concepções que norteiam a abordagem ecológica do desenvolvimento humano consiste em que o ser humano é visto como um ser ativo capaz de modificar a si e ao seu ambiente. Isto significa que não estamos simplesmente à mercê de forças exteriores e interiores maiores do que nós mesmos e o nosso próprio querer. Uma das razões pelas quais estamos no planeta é justamente para aprender a ter domínio sobre os impulsos e as próprias emoções, isto é, transcender nossa condição mais primitiva e animal. Devemos, pois, seguir a linha da evolução. Embora existam as forças que nos impelem para a destrutividade, o ser humano pode dizer não, se desenvolver sua capacidade de autodomínio e controle. Somos capazes de ir além. Somos capazes de uma resposta adaptativa. Somos capazes de ser melhores do que somos. Se cada um fizer a sua parte, a humanidade pode se tornar sim a unidade idealizada por Freud. Vamos fortalecer Eros no planeta para que possamos juntos vencer Thanatos (instinto de morte e destruição).
Procure dentro de si o que você tem de melhor e não o que tem de pior. Faça isto crescer dentro de si. Procure construir uma forte aliança com o lado saudável do seu cliente, do seu colega de trabalho, do seu amigo, familiar, do outro, seu semelhante. Precisamos nos convencer e comprovar que construir é mais gratificante do que destruir. Dá mais trabalho. Faz-nos suar a camisa. Consome mais o nosso tempo. Mas quando enfim a nossa obra desponta, não há prazer igual... E ao vencer sentimentos de insuficiência nos sentimos ‘grandes’ e já não faz mais sentido destruir o outro, violentá-lo, aniquilá-lo, matá-lo.
Pessoas há que fazem questão de viver “atravessadas” com a vida, isto é, aferram-se fortemente a um movimento de oposição e resistência, recusando-se a seguir o caminho que leva ao crescimento emocional e espiritual. Elas não se dão conta que o desgaste é muito maior e que “juros” altos lhe serão cobrados por sua conduta, pois há sempre um retorno de nossas ações.
Desta forma, alguns precisam de um pouco mais de tempo para perceber que na ordem do universo há apenas uma resposta possível: a rendição pela vida.
Referências
FADIMAN, J. & FRAGER, R. – Teorias da personalidade. São Paulo: Haper & How do Brasil, 1979.
FREUD, S. O mal-estar na civilização, ed. Standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago Editora, vol. XXI, pp.119-57, Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, 1930/1980.
KÖLLER, Sílvia Helena (Org.) – Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.