Quando o assunto é a primeira Olimpíada da história a ser realizada em território brasileiro, não existe expressão mais em cheque do que "legado para a população". Nada mais justo, afinal os Jogos vêm e, após duas semanas, vão, enquanto os cariocas continuarão - embora, segundo a ONG Rio Como Vamos, mais da metade dos moradores desejam deixar a cidade. Mas será que as Olimpíadas farão com que esses 56% mudem de ideia?
A capital da Catalunha é o maior exemplo positivo de cidade que se reinventou para receber o megaevento. Não que Barcelona fosse uma cidade com problemas sociais profundos, mas que lugar é perfeito e não precisa de melhorias? As Olimpíadas de 1992 seriam as primeiras após a queda do Muro de Berlim, que dividia as regiões capitalista e socialista da capital alemã, e a dissolução oficial da União Soviética. Um novo mundo começava a se desenhar depois de décadas de Guerra Fria.
Nada melhor do que uma cidade jovem e festeira como Barcelona para marcar o início de um novo tempo. A própria Espanha vivia uma revolução particular. O país sofreu quase 40 anos de ditadura do general Francisco Franco (entre 1939 e 1975) e ainda tentava recuperar o tempo perdido quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou, em 1986, que os Jogos de dali a seis anos seria na cidade mediterrânea. A decisão serviu de catalisador para as mudanças que ainda tinham como objetivo equiparar as metrópoles espanholas com o resto dos membros da União Europeia, grupo em que a Espanha entrou justamente em 1986. E a chance não foi desperdiçada.
A região portuária de Barcelona, por exemplo, abrigava diversas fábricas antigas, muitas delas desativadas. A área, à beira do Mediterrâneo, foi totalmente revitalizada: construções inutilizadas vieram abaixo e deram lugar a um belo calçadão, repleto de bares, cafés e restaurantes. Foi o renascimento do bairro Barceloneta, um dos cartões postais da cidade hoje em dia. O estádio olímpico foi reformado e ocupou a colina de Montjuïc, com plena visão da cidade no horizonte. Nos arredores, a construção do velódromo e da arena Palau Sant Jordi auxiliaram a dar vida ao local que, advinhem, também virou cartão postal de Barcelona.
O Rio de Janeiro não vai virar Barcelona. Apesar dos esforços da prefeitura de reavivar os entornos do porto da cidade, nada levar a crer que uma revolução ao estilo da Barceloneta esteja para acontecer na área. O Museu do Amanhã é, hoje, uma realidade, porém os planos de transformar a região portuária em um novo point de lazer parece estar longe de virar realidade. A iniciativa da construção do veículo leve sobre trilhos (VLT) para desafogar o trânsito do centro e dos arredores foi ótima, caso ficasse pronto a tempo. Das seis linhas projetadas, apenas uma deve ficar pronta até a cerimônia de abertura do megaevento.
O próprio local escolhido para abrigar a Vila dos Atletas mostra que a lógica mercadológica se sobrepôs aos interesses da população. Tradicionalmente, os atletas são alocado em uma região menos nobre da cidade-sede, para que os apartamentos que os receberam virem moradias populares para os habitantes. Neste ano, porém, os 15 mil competidores dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos ficaram hospedado na Barra da Tijuca - próximo ao Parque Olímpico, sim, mas em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro. Cerca de metade das unidades já foram comercializadas, com preços que começam em 650 mil reais. Olimpíada pra quem?