Em 1927, o arquiteto modernista checo Adolf Loos (1870 –1933) desenvolveu um projeto nunca realizado para a residência da cantora e bailarina afro-americana Josephine Baker (1906 –1975). O projeto partia de uma reforma rigorosa sobre duas casas existentes em uma esquina da Avenue Bugeaud, em Paris. A residência, que seria adornada em seu exterior por listras horizontais de mármore branco e preto, teria janelas fundas e pequenas para propiciar privacidade a sua ilustre moradora e para, como apreciava Loos, manter a atenção no interior da construção. No centro do prédio, estaria uma piscina que rasgaria dois andares da edificação, tendo janelas em seu andar inferior que propiciariam aos convidados da artista observar seu corpo rompendo as águas. A fachada e a piscina planejadas para a composição atestariam a obsessão da arquitetura modernista por superfícies.

Na individual Sinfonia Tropical para Loos, Ana Maria Tavares procura um caminho inverso ao da superfície. Na instalação Parede para Loos, a artista traz a fachada da Casa Baker para o interior do espaço. Tavares circunda todas as paredes do espaço expositivo com as listras características do projeto original, sobrepondo-as com uma projeção que leva o espectador de fora para dentro da casa. No vídeo, a câmera se move pela fachada do prédio e por suas janelas opacas até que essas se dissolvam em uma visão de natureza tropical. Esse jogo entre o natural e a reguladora arquitetura modernista se repete até mergulhar o espectador na piscina do centro da casa de Loos. Vemo-nos então encapsulados tanto pela piscina quanto por uma estrutura arquitetônica criada pela artista, intitulada Bunker, que parece conte-la no vídeo. É nesse ponto que exterior e interior tornam-se igualmente fascinantes, revelando um projeto central e comumente ignorado em discussões sobre arquitetura moderna: sua função disciplinar historicamente ligada à ciência médica eugênica. Leia-se: se a eugenia era um projeto discursivo que dava estrutura para prescrição cultural e investigação médico-moral, ela se encontra e interage com os discursos modernistas acerca da alteridade e da busca por uma identidade nacional. Sob essa ótica, a instalação de Tavares nos faz questionar se estaria a obsessão de Loos por manter o olhar no interior dos espaços construídos por ele, ligada a uma visão de identidade higienizada: eugênica.

Também nas obras Vitrines, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), o interior se eleva ao exterior. Ao trabalhar com elementos museográficos pensados por Lina Bo Bardi para servirem como par para seus célebres cavaletes de vidro, que de fato, nunca foram construidos, Tavares cria corpos suspensos no ar que revelam seus interiores vazios, porém, circundados com imagens de exuberância natural estampadas nos vidros de todas as suas faces. Tavares parece descortinar a iniciativa modernista de organizar, selecionar e conter o natural como algo antagônico ao seu projeto de formulação de identidade.

Finalmente, Sinfonia Tropical para Loos, decorrente das investigações da artista para as exposições Natural-Natural: Paisagem e Artifício (2013), e Atlântica Moderna: Purus e Negros (2015), traz um grande número de Vitórias Régias encapsuladas por caixas de acrílico com estruturas de aço inox e divididas em conjuntos organizados pelos nomes dos rios brasileiros Cocó e Purus e Negros. Como os outros trabalhos que formam a exposição, as Vitórias Régias compõem um aparato crítico que, conforme afirma a crítica e curadora Fabiola Lopez-Durán “vem relativizar a suposta ameaça do tropical e a tão almejada assepsia e geometria da estética moderna”. A poética aqui, no entanto, remete à lenda de Naiá, de origem tupi-guarani, que, encantada com o reflexo da Lua na água, acaba por se aproximar demais de um rio e se afoga. A Lua (Jaci), compadecida, recompensa o sacrifício da jovem índia e transforma-a numa "Estrela das Águas", única e perfeita - a Vitória Régia. É evidente a aproximação entre a lenda de Naiá e o mito de Narciso que, encantado com sua própria imagem, definha as margens da lagoa de Eco, admirado por seu próprio reflexo na água. Transformado numa flor (narciso) por Afrodite, o filho do deus do rio Céfiso e da ninfa Liríope, segue, mesmo aprisionado em sua nova forma, tentando eternamente contemplar sua imagem no reflexo da água.

Se lembrarmos da Parede Niemeyer, que Tavares constrói em 1998 recriando a grande parede de espelhos que Oscar Niemeyer ergueu no Cassino da Pampulha (Belo Horizonte), e que para a artista é uma síntese da utopia modernista, poderíamos compreender o presente de Jaci como uma sentença, que faz de Naiá refém de sua forma-flor, assim como nossos concidadãos, que ao admirar o espelho de Niemeyer, contemplam a promessa nunca entregue do projeto modernista brasileiro.

Verbo e Belas Artes

A Mostra de Performance Arte VERBO, organizada pela Galeria Vermelho desde 2005, firma parceria com o Centro Universitário Belas Artes Artes para organizar uma área para apresentação de performances dentro da feira SPArte, no Pavilhão Ciccilio Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. Como parte da programação desse espaço, a Galeria Vermelho recebe no dia 11 de abril, três ações em sua sede.

Programa Verbo e Belas Artes:
Sábado, 11 de abril de 2015

14h
Parábola (Leonardo Akio, 2010)
O objeto performático consiste em longa haste de ferro com suporte para o corpo. A ponta do objeto deve ser colocada na quina entre parede e chão, e os performers devem usar o peso de seus corpos para vergar a linha de ferro. Colocada à altura dos quadris, o prolongamento entre objeto e pernas forma uma curva.

14h30
Reconhecer-se (Magaly Milene, 2010)
A performer entra em espaço preparado com uma cadeira de madeira, mesa branca, bacias com água e tigelas com pedaços de gaze engessada. Ela se despe, senta-se e engessa a frente de seu corpo dos pés até o pescoço. Após alguns minutos, com movimentos sutis, ela desgruda o molde de si, levanta-se da cadeira, veste-se e sai do espaço, deixando sentada a imagem de seu corpo em gesso.

15h30
Eu sou você (Merien Rodrigues, 2008)
A artista abre um grande guarda-chuva embaixo de filete de areia que cai do teto. Os grãos acumulam-se ao redor de seu corpo, formando um círculo branco sobre o chão. Quando a areia termina, ela caminha para outro filete de areia e repete a mesma ação, e assim sucessivamente. No final, a performer deixa o espaço e ficam os círculos desenhados no chão.