Em sua nova exposição na Galeria Millan, Thiago Rocha Pitta apresenta um vídeo inédito, além de exibir obras anteriores que se relacionam com o novo trabalho. A peça que intitula a mostra, Atlas / Oceano, foi desenvolvida durante uma residência artística realizada em 2014 na Noruega, através do programa Circulating Air. O artista se apropria de uma figura mitológica para nomear e criar uma obra em que explora questões presentes em seu trabalho como um todo, tal qual uma vivência estendida da temporalidade e os limites da relação que o homem pode estabelecer com a natureza.
O universo mitológico e a literatura são constantes referências no trabalho de Thiago Rocha Pitta (como nos vídeos O cúmplice secreto e Youth, em que o artista toma títulos e mesmo temas de empréstimo a Joseph Conrad); essas alusões, no entanto, jamais são unívocas ou limitadas por seu sentido de origem. Os elementos e personagens humanos são transfigurados em formas essencialmente minerais, por vezes vegetais, nestes contextos criados por Rocha Pitta. Vale notar que mesmo elementos inerentes à técnica e à cultura (como a navegação ou o domínio do fogo) são deslocados nesses vídeos, aparecendo como fantasmas, entes misteriosos que não podem produzir-se a si mesmos, mas que tampouco parecem oriundos de uma força humana. A câmera, estática ou à deriva, coloca o espectador na estranha posição de voyeur deste mundo que parece prescindir dele.
Também recorrente nos trabalhos do artista é a presença do barco. Três obras com este elemento poderão ser vistas no primeiro andar da Galeria: em Homenagem a JMW Turner (2002), o barco é incendiado em algum oceano, um embate entre fogo e água; em Herança (2007), o barco à deriva carrega um punhado de terra e duas árvores, imagem onírica, irônica e repleta de solidão; em O cúmplice secreto (2008), por fim, uma forma reluzente, cujo contorno preciso temos dificuldade de apreender, aproxima-se da câmera/espectador no oceano e, à medida que o faz, traz consigo o escurecer, havendo uma tensão crescente acarretada por essa presença que nem sempre pode ser vista, apenas adivinhada.
Em Atlas / Oceano, por sua vez, não é o mar que contém o barco, mas sim o barco que o carrega. Essa frágil estrutura de madeira toma o lugar do titã Atlas e, flutuando no vazio, sustenta a Terra ou, pelo menos, os seus mares. Oriunda do domínio técnico do homem sobre a natureza e associada ao florescer e à expansão de inúmeras civilizações, a habilidade de navegar aparece aqui como o ponto de apoio do mundo. A imagem faz ressoar entrevistas nas quais o artista afirma não existir, para os homens, a natureza em si: como Midas, tudo em que o ser humano toca se transforma em cultura, mesmo o ermo oceano.