A Mendes Wood DM Bruxelas tem o prazer de apresentar uma exposição de pinturas do seminal artista brasileiro Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995). Composta de trabalhos produzidos entre as décadas de 1960 e 1990 e selecionados pelo pintor italiano Giangiacomo Rossetti (n. 1989, Milão), a mostra marca a primeira apresentação de Lorenzato na Bélgica. Atraído pelo mundo natural e pela imponderabilidade do dia a dia, o artista pintou paisagens, naturezas mortas e cenas de sua cidade nativa, Belo Horizonte. Seu objetivo não era replicar o ambiente, mas sim traduzi-lo por meio de uma visão simplificada por formas geométricas reduzidas, criadas com pinceladas bem definidas e fortes pigmentos artesanais.
Nascido em 1900, em Belo Horizonte, filho de imigrantes italianos, Lorenzato começou a trabalhar como assistente de pintura em 1910. Devido à epidemia de gripe espanhola que atingiu o Brasil na década de 1920, Lorenzato e sua família retornaram para a Europa, onde o jovem emigrante se tornou pintor de muros na reconstrução da cidade de Asiero, que havia sido destruída durante a Primeira Guerra.
Em 1925, o artista se matriculou em seu primeiro e único curso formal de arte na Reale Accademia delle Arti, em Vicenza, quando começou a pintar com cavalete. Após a conclusão de seus estudos, Lorenzato partiu para Roma, onde conheceu o pintor holandês Cornelius Keesman. Com seu novo amigo, Lorenzato embarcou em uma viagem de bicicleta com duração de um ano pela Europa, visitando vários países, incluindo França, Áustria, Bulgária e Turquia. Foi durante essa viagem que ele mergulhou na produção de obras, pintando pequenos guaches que vendia para se sustentar. A viagem foi particularmente significativa para Lorenzato, não apenas pelo fato de lhe ter possibilitado absorver a cultura e a arquitetura europeias, mas também por ter lhe dado a oportunidade de explorar museus e ver obras de artistas tais como Matisse, Picasso e Gauguin.
Após a jornada, Lorenzato voltou a viver na Itália por um curto período de tempo, antes de retornar para Belo Horizonte em 1948, época em que passou a trabalhar na área de construção. Oito anos depois, o artista sofreu uma grave lesão na perna e, por consequência, aos 56 anos de idade, se aposentou e pôde e se dedicar de maneira exclusiva à pintura, até sua morte em 1995.
Com seu trabalho na construção civil, Lorenzato adquiriu um conhecimento aprofundado sobre diversos materiais, chegando até a construir suas próprias telas, com arame, placas de cimento ou papelão. Ele também implementava técnicas e ferramentas provenientes de sua experiência como pintor de murais, usando pentes, escovas e facas, que ele chamava de pincel-pente. Essas ferramentas rústicas mas muito expressivas lhe permitiram alcançar suas superfícies frenéticas, produzidas por meio de fortes ranhuras e pinceladas menos incisivas.
Embora Lorenzato tenha trabalho sozinho durante a maior parte de sua vida, sua arte está inserida na tradição mineira do célebre artista brasileiro de meados do século XX, Alberto da Veiga Guignard. Assim como Lorenzato, o tema predileto de Guignard era a paisagem – uma paisagem turva e suspensa –, ainda que o mundo de Lorenzato gravitasse entre a elasticidade e o construtivismo.
Em grande medida autodidata, Lorenzato considerava a pintura uma atividade diária, uma extensão natural de si mesmo e “uma forma de sobrevivência espiritual”. Uma parte vital de seu processo criativo era fazer longas caminhadas perto de sua casa e no interior, produzindo desenhos e esboços que eram depois transformados em pintura. Ele filtrava, abstraía e transferia suas memórias para a tela, misturando de modo orgânico elementos pictóricos e temáticos.
As pinturas de Lorenzato não pretendem traduzir o real: nuvens não são meras nuvens e sombras não são meras sombras. Mais propriamente dito, são possibilidades matizadas de aparências que habitam um mundo ilusório. Por meio de sua pintura, Lorenzato desenvolveu uma linguagem particular pura e poderosa, que oferecia uma visão alternativa da realidade a seu redor.