Na Inglaterra de 1848, um grupo de jovens artistas forma uma irmandade chamada “Os Pré-Rafaelitas”. Um importante movimento artístico que mudou os rumos da estética da arte, numa época em que os artistas tinham voz, coragem e, sobretudo, ideal. Estes artistas eram jovens destemidos que lutaram pelo que acreditavam ser a forma ideal de se fazer arte. A deles.
Uma irmandade artística considerada irreverente e transgressora, pois rompe com os princípios estéticos da pintura aprendida nas Academias de Artes Clássicas. Queriam “a arte pela arte” ‒ uma arte sem interferência acadêmica, uma arte em seu estado bruto. A irmandade abrigava todos os artistas que, de alguma forma, partilhavam este ideal de romper com o academicismo imperativo. Seus realizadores foram Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais. Acreditavam, principalmente, na liberdade de expressão artística – o que achavam não ser possível dentro das Academias. Com o intuito de ser uma espécie de reforma artística, o movimento possibilitou ao artista a liberdade de produzir de maneira mais autêntica e personificada, gerando uma reação ‒ e uma provocação ‒ contra a arte padrão do academicismo na Inglaterra.
Pregavam uma estética mais pura, a qual não deve sofrer interferências de filtros pré-estabelecidos. Queriam resgatar a honestidade que consideravam existir na arte anterior a Rafael (1483-1520) – um artista que muito influenciou a Academia Inglesa e, por isso, muito criticado pelos Pré-Rafaelitas. Acreditavam que o excesso de rigor das técnicas ensinadas nas escolas clássicas conduzia os pintores para uma artificialidade ao retratar a “natureza” e a “obra de Deus”.
Eles não utilizavam as técnicas de sombreamento e profundidade ‒ como faziam os clássicos ‒ pois achavam que isso relegava os elementos periféricos da pintura para segundo plano. Também ignoravam as leis da perspectiva ‒ todos princípios consagrados e inquestionáveis para as escolas académicas. Os Pré-Rafaelitas não acreditavam na eficácia da técnica, mas sim na sensibilidade imprescindível para produzir obras artísticas. Bastava a sensibilidade, afirmavam.
Os Pré-Rafaelitas encontram uma identidade ao estabelecer um padrão de estética que gera sua própria marca na pintura. Essa identidade é facilmente reconhecida nas cores esmaltadas e luminosas usadas em seus quadros, um claro rompimento da convenção dos tons suaves que eram praticados até então.
Eles foram pioneiros em travar um diálogo entre a literatura e a pintura. Eram mestres na intertextualização artística. Suas mais famosas obras são de personagens da literatura, da mitologia e de cantigas antigas. Ao contrário da pintura de gênero, como os interiores e paisagens ‒ a qual os Pré-Rafaelitas tinham aversão ‒ eles propunham uma arte que era imaginada pelo artista, e não simplesmente uma retratação da realidade. Podemos ver sua pintura flertando com outras vertentes artísticas como a música, a literatura e a poesia em belíssimos quadros como Proserpine (1874), de Dante Gabriel Rossetti, e Ophelia (1852), de Everett Millais, baseado na heroína da famosa obra de Shakespeare, Hamlet.
Um dos mais talentosos Pré-Rafaelitas, Dante Gabriel Rossetti, também era poeta e divulgava em alguns periódicos da época as teorias do grupo.
Eles foram severamente criticados por pessoas influentes, como o novelista Charles Dickens, que descreveu com desdém a forma como lamentavelmente romperam com as regras do academicismo. Certamente, a crítica e o público os receberam como anarquistas e indisciplinados. No entanto, a irmandade também conseguiu fortes patronos como o crítico John Ruskin ‒ que defendia outros artistas que romperam com as regras acadêmicas, como é o caso do famoso pintor inglês William Turner.
Os Pré-Rafaelitas, com sua filosofia, abalaram o cenário artístico de Londres. Mas a Irmandade rompeu-se no fim de 1854. A esta época todos os membros já desenvolviam uma obra individual, mas jamais deixaram de aplicar as características pré-rafaelitas em seus quadros. A famosa Irmandade deixou seu legado para uma nova geração de pintores como John William Waterhouse que, com uma de suas mais famosas pinturas – The Lady of Shallot (1888), retirada de um poema de Lord Alfred Tennyson – homenageia a estética pré-rafaelita com grande maestria.