Nestes últimos anos Portugal tem vindo a enfrentar uma crise financeira que veem a destabilizar e questionar as fundações do sistema dito democrático. O papel do estado seria o de garantir a estabilidade do país e o bem estar da sua população. No entanto, os interesses económicos globais ainda falam mais alto que os valores éticos e morais para subservir uma União Europeia, que supostamente trabalha para o bem comum, desvalorizando a identidade do país e penalizando os verdadeiros interesses nacionais.

Do ponto de vista de Giorgio Agamben, vivemos um estado de excepção permanente em que o poder executivo absorveu os poderes judiciais e legislativos, mas onde se continuam a dar lições sobre a separação dos poderes. Hoje, a democracia é um déspota flutuante, ou seja, deste conceito pode se também dizer que é um significante despótico no discurso político contemporâneo: ocupa a quase totalidade do espaço ideológico e geográfico.

A flutuação do significante, democracia, enquanto princípio e realidade, enquanto forma e conteúdo da política, enquanto tipo de política e tipo de sociedade ou mesmo enquanto tipo humano, forma uma estrutura complexa na hegemonia política actual, presente desde o senso comum ao discurso político-intelectual.

A entrada de Portugal na União Europeia impulsionou o desenvolvimento do país, influenciado por exigências ou investimentos provenientes da União Europeia, bem como pela abertura económica de Portugal aos restantes estados membros. Produtos financeiros tóxicos em certos casos e noutros investimentos, sob a forma de fundos, incidiram principalmente nos países menos desenvolvidos, como Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Irlanda ou Islândia.

Curiosamente, parte dos países referidos, são os que hoje formam os PIGS, países erroneamente aclamados como “causadores” ou catalisadores da crise económica europeia. Mas, agora podemos levantar algumas questões: até que ponto não terão estas políticas forçado os países a abdicar das suas principais formas de subsistência? Até que ponto não terão sido as medidas impostas pela própria União Europeia a tornarem Portugal e os demais países subsídio-dependentes? Até que ponto não terão sido essas medidas responsáveis pelo despoletar da crise económica com que agora nos deparamos? Amigos, democracia e capitalismo não são irmãos gémeos como se quer fazer crer.

O Fundo Monetário Internacional, um órgão que se “especializa” na aplicação de medidas drásticas a países que foram forçados a aceitar um pacote de pagamentos para equilibrar o seu défice. Olhando retrospectivamente para a história, a credibilidade deste órgão é deveras duvidosa. A Argentina foi uma das vítimas da aplicação de medidas impostas pelo FMI, que afundaram o país numa espiral de recessões económicas sem fim à vista. Eventualmente, foi a própria população que demonstrou a sua revolta em inúmeras e violentas manifestações que evocavam “Que se vayan todos!” (todos daqui para fora), exigindo o expurgo de todos os políticos e financeiros internacionais que colocaram o “país de joelhos”. Farta de corrupções políticas e sofrendo o impacto destrutivo da sua dívida externa, a população exigiu mais controlo sobre a sua economia nacional.

“A democracia é a abstração monetária como organização da pulsão de morte”, escreveu Alain Badiou.

Similarmente, Portugal encontra-se hoje numa caótica espiral de recessão com a aplicação de sucessivas políticas de austeridade impostas à população assistindo-se a um crescente aumento de impostos e sucessivos cortes orçamentais. Os serviços públicos básicos, como a saúde e a educação, têm enfrentado reduções drásticas nos seus orçamentos. O governo não deveria perpetuar uma continua usurpação direitos, como nitidamente observamos na escassez do nosso estado social.

Num país em que não se valoriza nem se respeita convictamente a cultura, sendo esta encarada com superficialidade e mesmo considerada como área desnecessária à vida humana por um governo que se diz pautar por medidas democráticas, não foi com estranheza que os artistas assistiram à extinção do Ministério da Cultura e à subsequente penalização destes sectores.

Como Jacques Rancière afirma “os que se creem astutos podem sempre dizer que a igualdade não é mais do que o doce sonho angélico dos imbecis e das almas sensíveis (...) Não há serviço que se execute, não há saber que se transmita, não há autoridade que se estabeleça sem que o amo ou o mestre tenham, por pouco que seja, falado de ‘igual para igual’ com aquele que comandam ou instruem”.

Procura-se assim fugir aos perigos utópicos da ideia de uma democracia purificadora da sociedade. A enxurrada democrática é impura, não desagua no fim da política. A sua força residirá na capacidade de mobilizar a vontade de emancipação em tempos de cinismos e desilusões.

Não se trata apenas nem principalmente do sonho de uma irrupção imprevisível da democracia verdadeira como “acontecimento” mas da força concreta com que esta ideia ajuda à corrente política mais ou menos subterrânea que é a política dos oprimidos. E da necessidade de avaliar esta força analisando que estratégias carrega em si, que eficácias tem tido, que efeitos contra-hegemónicos.

Neste contexto a arte surge como móbil dialético de verbalização de protesto. Encoraja-se a audiência pressentir e percepcionar a realidade sociocultural em que vive para poder direcionar a sua autonomia de deliberação no meio destes contínuos jogos de poder.

Art Stabs Power: que se vayan todos! é uma exposição que se debruça sobre as diversas políticas de austeridade europeias impostas a Portugal e seu impacto na sociedade e nas artes. A arte surge como uma plataforma crítica e consciente que reflete e questiona sobre as questões políticas e sociais locais, que espelham consequencialmente políticas globais e interesses internacionais. Explora assim as inter-relações entre a arte, ativismo e política através de projetos artísticos que utilizam a performance, instalação, vídeo, pintura ou a fotografia como medium de manifesto e/ou reflexão sobre as atuais austeras políticas que brutalmente têm impactado a vida dos europeus e portugueses e o futuro dos seus países.

Com obras de Angela Tiatia (NZ), António Lago & Susana Chiocca (PT), Beatriz Albuquerque (PT), Fernando J. Ribeiro (PT), Filipe Marques (PT), Hugo de Almeida Pinho (PT), Inês Teles (PT), Joana Gomes (PT), José de Almeida Pereira (PT), Manuel Santos Maia (MOZ), Jorge André Catarino (PT), Paul Eachus (UK), Pauliana Valente Pimentel (PT), Paulo Mendes (PT) e Art Protesters (Alexandre Sequeira Lima, André Fradique, Beatriz Albuquerque, Brigitte Dunkel, João Aires, João Bacelar, Joao Vilhena, João Galrão, Natércia Caneira, Raquel Freire), a exposição foi curada por Inês Valle.

Plataforma Revolvér

Rua da Boavista, 84
Lisboa 1200-068 Portugal
Tel. +351 96 110 65 90
plataformarevolver@gmail.com
www.artecapital.net/plataforma.php

Horário

Terça - Sábado das 14h às 19h

Imagens relacionadas
  1. Hugo de Almeida Pinho, O freunde, nicht diese tone! durante a inauguração da exposição Art Stabs Power: que se vayan todos!, 2014. Fotografia Ricardo Novais Pereira
  2. Filipe Marques, Hugo de Almeida Pinho e Beatriz Albuquerque, vista geral da exposição Art Stabs Power: que se vayan todos!, 2014. Fotografia Inês Valle
  3. Hugo de Almeida Pinho, O freunde, nicht diese tone! durante a inauguração da exposição Art Stabs Power: que se vayan todos!, 2014. Fotografia Ricardo Novais Pereira
  4. Angela Tiatia, Cream (pormenor), vídeo, 2014
  5. Susana Chiocca, Não temos de morrer pelo Euro (pormenor), vídeo, 2013
  6. Registo documental da performance/instalação Ekstaseis Náuticas (Hino à Europa) por António Lago e Susana Chiocca durante a inauguração da exposição Art Stabs Power:que se vayan todos! Fotografia Ricardo Novais Pereira