A Nara Roesler Nova York tem o prazer de apresentar Exploded view, primeira individual de André Griffo nos Estados Unidos. Com texto crítico de Lúcia Stumpf, a mostra reúne em torno de 12 trabalhos do artista desenvolvidos ao longo do último ano, especialmente para a exposição.
Formado em arquitetura, o artista tem na representação de elaborados espaços arquitetônicos uma parte muito importante de sua poética. "O principal tema da minha pesquisa é religião", comenta o artista, que através de seus trabalhos busca refletir sobre como a religião foi usada como ferramenta de controle e dominação ao longo da história. Griffo representa a arquitetura religiosa para pensar essa relação histórica da presença e poder da igreja desde nosso passado colonial, até os dias de hoje, em que pastores neopentecostais fazem uso da religião para atuar na política, ao mesmo tempo em que estão ligados a grupos paramilitares.
O título da mostra faz referência ao desenho técnico de mesmo nome, que consiste em um diagrama que mostra uma relação ou sequência de montagem de diversas peças de um conjunto. Esse conceito está presente na exposição por meio de uma sequência de cinco trabalhos elaborados pelo artista: Instruções para administração das fazendas X, parte da série de pinturas de mesmo nome, representa o espaço interior de uma antiga igreja, com um altar ao centro, pinturas no teto, e uma série de elementos ornamentais que enfatizam a figura sacra localizada no altar. Nas palavras do artista: “a sacralidade desse tipo de figura não reside apenas nela mesma, mas em todos os ornamentos que a ressaltam. A importância deles é grande, de tal forma que, muitas vezes, eles se destacam mais do que a própria figura, podendo inclusive fazer seu papel”.
A pintura principal, contudo, não apresenta apenas o elemento sacro, pois o espaço da capela pertence a uma área maior, possivelmente uma fazenda ou palácio de grandes proporções. Não se vê aqui qualquer representação humana em escala proporcional ao espaço, exceção feita a um retrato na parede de um homem, possivelmente o proprietário do local. Contudo, pelo chão, estão espalhadas figuras em miniatura que remetem a escravos trabalhando de forma incansável. Para além da desproporção entre espaço e personagens, se destaca uma série de plantas presentes no ambiente, utilizadas pelos escravizados em seus rituais religiosos. Como os mesmos não podiam exercer sua religiosidade com liberdade, tiveram que adaptar aspectos de suas crenças originais para a realidade na América, o que incluiu o uso de plantas locais.
A partir dessa grande pintura, Griffo realizou uma série de outros trabalhos relacionados entre si, que consistem em fragmentos da composição original que o artista acaba por ressaltar e representar individualmente. Se na tela original está representado todo o espaço arquitetônico, nos trabalhos seguintes o artista se dedica aos pormenores da composição original, como a abside, o altar e a própria imagem do Santo. Nesta última, intitulada O encarnado, o que se vê, acima de uma coluna, é o próprio Santo, não representado através da pintura, mas enquanto uma miniatura barroca tridimensional.
Referências à História da arte de maneira mais ampla estão presentes em outros trabalhos da mostra, como é o caso de O sono de Constantino e O sonho de Constantino. Os títulos fazem menção a um afresco de Piero della Francesca do Século XV, em que o pintor narra a conversão do Imperador romano Constantino ao catolicismo. Essa teria se dado através de um sonho, no qual o governante teria visto uma cruz carregada por um anjo. Tocado pela imagem, foi para uma batalha decisiva portando o objeto e, vitorioso, acabou por abraçar de vez a nova fé. Segundo Griffo, contudo: “essa versão sobre a conversão de Constantino foi descartada ainda na Idade Média. Possivelmente nem Piero, quando a pintou, acreditasse mais nessa história, que acabou virando uma lenda. Acabou-se por descobrir que essa conversão ocorreu muito mais por conveniência política, o que estabelece paralelos com os dias de hoje, onde muitas lideranças políticas se valem de fábulas e fantasias para justificar a mistura entre religião e política e, assim, ganhar adeptos”. Enquanto que em O sono de Constantino André Griffo faz uma releitura do painel pintado pelo mestre renascentista, em O sonho de Constantino o artista tenta imaginar com o que teria sonhado o Imperador romano. Partindo da composição de Piero, Griffo cria uma pintura abstrata, composta de enigmáticas manchas de cor, a primeira pintura abstrata de sua carreira. Embora abstrata, se relaciona intensamente com a outra tela, dado que usou a mesma paleta cromática presente na outra e mesmo a linha do horizonte.
O diálogo entre bi e tridimensional aparece também na pintura da série O vendedor de miniaturas, na qual se vê representado o interior de uma estação de metrô, um vendedor que apresenta diante de si, uma série de pequenos bonecos em miniatura. Tais bonecos consistem em figuras como pastores evangélicos, policiais e milicianos executando inocentes, imagens sacras e outros atores sociais responsáveis pela manutenção da violência, em especial no contexto carioca. Já em Miniaturas, o artista cria 80 bonecos de plástico que correspondem àqueles representados na pintura. Ao passo que alguns estão pendurados, outros aparecem dispostos sob uma lona, como se estivessem à venda.
A mostra apresenta também uma das raras obras de cunho pessoal da trajetória do artista. 80’s, realizada durante residência que Griffo realizou no Wassaic Project, em Nova York, traz o irmão do artista representado no interior do banheiro do LGBT Center, em Nova York, espaço que se destaca por um trabalho do artista Keith Haring realizado em 1989 nas paredes do local, que faz referência ao momento de profunda angústia vivido pela comunidade LGBT no mundo, em função da epidemia de AIDS, e consequentemente, de estigmatização da mesma ao longo da década de 1980. A realização da pintura de Haring coincide com o momento em que o irmão do artista deixou sua cidade natal, Barra Mansa, e migrou para os Estados Unidos, para poder viver com liberdade. Ao visitar o local, Griffo imediatamente se lembrou de seu irmão, que vivenciou diretamente esse momento e sobreviveu à repressão da sociedade e a condição de imigrante.
Concebendo a arquitetura como um elemento projetado para abrigar relações sociais, bem como a pintura como uma ferramenta ilusionista, Griffo cruza essas duas linguagens não como mero exercício formal, mas como forma de rastrear estruturas sociais e os problemas delas decorrentes, trazendo tanto elementos históricos como fatos cotidianos aparentemente inofensivos.