Em Sefirot, a artista Mimi Lauter, de Los Angeles, conhecida por seu trabalho com tinta a óleo e pastel seco, desenvolve uma obra profundamente sintonizada com os conceitos da Árvore da Vida do misticismo cabalístico. Os cabalistas acreditam que dez forças criativas conectam o infinito e o incognoscível ao nosso mundo presente. Dez faces de Deus voltadas para a nossa realidade material. Dez aspectos da onipresença divina que se cruzam com nosso cotidiano. Dez emanações que derramam a luz inefável do divino – as imagens destacam formas de iluminação, luminosidade, brilho e luz. Cada uma das dez sefirot, ou emanações, representa um conjunto de conceitos abstratos, com imagens e noções associadas. Os cabalistas organizaram essas dez sefirot em um diagrama de relações chamado Árvore da Vida, sendo que cada força é representada por uma esfera, um nó ou ponto. Diferentes canais conectam as sefirot adjacentes, de modo que posicionam aspectos da manifestação divina em várias relações. É uma árvore que estrutura a forma como o divino se apresenta para nós ou como o entendemos. É a vida vegetal que contorna uma compreensão mística de nossa existência. Por ser tão dedicada à estética do jardim e basear grande parte de sua prática no estudo da flora, Lauter não poderia criar de outro jeito.
Na árvore dos cabalistas, as sefirot são organizadas em três colunas: as da direita representam conceitos do gênero masculino, as da esquerda, do gênero feminino, e a coluna do meio representa o equilíbrio ideal entre misericórdia e justiça, uma amálgama andrógina entre o feminino e o masculino. A relação entre os gêneros e certas sefirot pode surpreender as sensibilidades modernas, não só pela simplicidade de atribuir tais binarismos, mas também pela inesperada e intrigante combinação de valores, como misericórdia e compaixão que se ligam à masculinidade, enquanto justiça, poder, punição e ferocidade são valores atribuídos ao feminino. Estranho e provocativo.
No topo central da árvore está Keter, a coroa, ladeada à esquerda e à direita por Bina e Hokhmah, respectivamente. Como é a sefirá mais elevada, Keter representa o éter primordial e a negação do pensamento, algo quase Zen. Bina abrange compreensão, discernimento e pensamento analítico, além de simbolizar a mãe, o útero, a redenção e a linguagem. Hokhmah, por sua vez, é a sabedoria, os aspectos sintéticos do divino e a ideia de começo, no sentido de algo que surge a partir do aparente nada ou de uma semente, estando, por isso, associada ao Éden. Lauter une essas três forças em um grande díptico dividido em três regiões retangulares, contendo dois grandes círculos em cada extremidade, atados no topo como se fossem abraços. Dessa forma, a artista cria uma semelhança marcante com uma visão anatômica dos ovários, trompas de falópio e útero. O terço inferior da pintura é pontilhado de vermelho, evocando um campo de papoulas vermelhas selvagens do sul de Israel, vistas em perspectiva, diminuindo na distância.
Descendo pela árvore, encontramos Din (julgamento, poder, punição, fogo, noite, nuvem) e Hesed (misericórdia, amor, bondade, compaixão, graça). A pintura de Lauter, Hesed sefira, apresenta vários elementos figurativos dispostos simetricamente como uma estrutura parcialmente murada – dois braços e duas pernas cortados, escurecidos, como se carbonizados. Uma chuva de manchas cinzas, brancas, amarelas e azuis cai. O pastel preto confere um efeito de fuligem ou fumaça. Enquanto isso, Dina sefira é uma explosão sinfônica de vermelho em tons de sangue, vinho, sujeira, crosta, hematoma e víscera, com uma grande nuvem branca e espessa em forma de sobrancelha flutuando na metade superior. Na parte inferior, uma impressão de mão direita pressiona contra ou através da superfície. Linhas onduladas se estendem e manchas verdes da base emergem por toda parte.
Tiferet, que representa a beleza, a verdade e o equilíbrio ideal que preserva a união do universo, entre a justiça e a misericórdia, aparece como um jardim retangular verdejante cercado por tons de rosa e uma borda ou moldura que atua como se fosse uma porta do corpo se abrindo para o jardim. Uma figura de infinito flutuante, em forma de oito, paira acima do centro da imagem como um espírito levitante e alado.
Mais abaixo na Árvore da Vida, o próximo par de conceitos é Nezah (eternidade, resistência, vitória) e Hod (majestade, profecia), ambos apresentados em monocromos azuis: o primeiro com azuis profundos que evocam o mar ou o céu noturno, enquanto o segundo exibe uma piscina alta e reluzente de tons aquosos cintilantes. Abaixo e entre eles está Yesod, na base da árvore, significando a fundação e a paz, o pacto do arco-íris, os mandamentos, a memória e a redenção, além do falo. Lauter pinta essa imagem como uma janela azul ou um portal, evocando outros trabalhos, como, por exemplo, Exquisite corpse within a landscape [Cadáver esquisito em uma paisagem], uma pintura menor, estratificada e emoldurada, que é colada no centro da pintura maior e cercada por um campo verde repleto de flores vermelhas dos dois lados e flores douradas abaixo, como um tapete, e acima, por uma forma que remete a uma tenda chupá.
Abaixo de Yesod, Shekinah aparece enraizada na terra, significando literalmente habitação, a habitação da presença de Deus neste mundo. Shekinah é o aspecto feminino e cósmico do divino, associado a rainhas, noivas e mães, representa também o espírito da terra de Israel. Também está ligada ao Jardim do Éden, à árvore do conhecimento e à expulsão da humanidade após a transgressão – de fato, exílio e diáspora estão entrelaçados nessa sefirá. Na interpretação da artista, Shekinah sefira é retratada como um grupo de montanhas ou colinas em forma de cúpula ou cebola, com torres que alcançam os céus, mas que, na verdade, são braços estendidos que alcançam uma pequena Estrela de Davi vermelha em relevo espesso. Dominada por tons de vermelho e laranja, a pintura é vista através de uma abertura nas nuvens azuis, ainda visíveis nas margens. Convidativo, o exótico e tenso Éden de Mimi Lauter continua a lançar seu feitiço de origem sobre todos nós.