Em um país construído pela população negra e indígena, onde mais da metade da população brasileira se autodeclara preta ou parda, a realidade política do país reflete o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira, e evidencia uma profunda exclusão racial nos cargos de poder.
Segundo o Censo de 2022 do IBGE, 55,5% dos brasileiros se identificam como negros, o que equivale a mais de 112 milhões de pessoas contra 88 milhões de brasileiros que se identificam como brancos.
Contudo, essa maioria demográfica não se traduz em representatividade nas esferas políticas, dando continuidade a uma disparidade histórica que afeta diretamente a presença de pessoas negras na estrutura da política nacional.
Nas câmaras municipais das capitais, onde os vereadores desempenham um papel essencial na gestão local, apenas 44% dos assentos são ocupados por negros.
Este percentual já reflete um descompasso entre a composição racial da população e a dos representantes eleitos, mas, à medida que subimos na hierarquia política, essa discrepância se torna ainda maior.
Nos cargos executivos municipais, somente 32% dos prefeitos eleitos em 2020 se identificam como negros, indicando uma barreira ainda mais restritiva para aqueles que aspiram a liderar cidades.
Quando o foco se volta para o cenário nacional, a exclusão racial se torna ainda mais evidente: Na Câmara de Deputados, onde os representantes eleitos devem representar a população dos seus respectivos estados, apenas 26% dos deputados eleitos são negros, uma representação que está longe de ser proporcional à realidade brasileira.
No Senado Federal, que é tradicionalmente visto como uma das casas legislativas mais elitizadas do país, a situação é ainda mais alarmante. Apenas 26% dos senadores se declaram pretos ou pardos, revelando que, quanto mais poder concentrado, menor é a presença de parlamentares negros.
A exclusão racial também é evidente ao olhar para o poder Judiciário, onde, em toda a história do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do país, apenas quatro ministros negros ocuparam cadeiras, sendo eles: Pedro Lessa e Hermenegildo de Barros, nomeados no início do século XX; Joaquim Barbosa, que ocupou uma cadeira na Corte entre 2003 e 2014; e na formação atual, o ministro Kassio Nunes Marques, que se autodeclara pardo.
A exclusão racial nos espaços de poder e decisão política tem consequências diretas para a população negra no Brasil, afetando sua participação na construção das políticas públicas e na defesa de seus direitos. A sub-representação limita o acesso a oportunidades e a ascensão social, perpetuando as desigualdades em áreas como educação, saúde, segurança e emprego.
A ausência de lideranças negras em cargos estratégicos impede a criação de leis que de fato combatam o racismo estrutural, e dificultam a implementação de medidas que promovam equidade racial e justiça social.
Sem uma representação proporcional nos espaços de poder, a população negra vê suas demandas frequentemente ignoradas ou tratadas de maneira superficial, o que aprofunda o ciclo de exclusão e marginalização.
Em meio a esse cenário de exclusão, a figura de Nilo Peçanha se destaca como um marco histórico da presença negra em cargos de poder público.
Nascido em 1867, em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, Nilo veio de uma família modesta. Filho de Sebastião de Sousa Peçanha, um pequeno comerciante que, em tempos de dificuldade, chegou a vender as terras da família para abrir uma padaria, ele cresceu em meio a limitações financeiras. No entanto, a educação foi sua porta de entrada para um mundo maior.
Sem ter escolha a não ser vencer as adversidades, Nilo ingressou no curso de Direito, primeiramente em São Paulo, na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e depois concluiu sua formação em Recife, em 1890.
Com a formação jurídica, ele iniciou sua jornada política no mesmo ano, sendo eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, onde ajudou a moldar a Constituição de 1891, a primeira do Brasil republicano. Esse foi o início de uma carreira política ascendente, que o levaria a se tornar deputado federal, senador, e, em 1903, presidente do Estado do Rio de Janeiro, o equivalente ao atual cargo de governador.
Mas foi em 1909 que Nilo Peçanha viveu o momento mais marcante de sua trajetória. Com a morte do então presidente Afonso Pena, Nilo, que ocupava a vice-presidência, assumiu a presidência da República, tornando-se o sétimo presidente do Brasil. Ele governou o país por 17 meses, de forma interina, e, mais do que isso, marcou a história como o primeiro e até hoje único presidente negro do Brasil.
Seu governo, embora breve, foi marcado por iniciativas inovadoras. Nilo fundou o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, demonstrando uma visão de modernização e desenvolvimento econômico. Também foi responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio, que mais tarde se tornaria a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) , o que representava um avanço na defesa dos direitos dos povos originários em um período em que tais pautas eram ignoradas.
Além disso, sua gestão legou ao país a fundação das Escolas de Aprendizes Artífices, embrião do que mais tarde se tornaria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, o que solidificou seu papel como patrono da educação técnica no Brasil.
A ascensão de Nilo Peçanha à presidência não o isentou do racismo profundamente enraizado na sociedade brasileira. Mesmo ocupando o cargo mais alto do país, ele foi frequentemente atacado pela imprensa, que, em diversas ocasiões, recorreu a ofensas raciais. Charge após charge, os jornais o retratavam de forma pejorativa, referindo-se a ele como o "mulato do Morro do Coco", uma tentativa de diminuir sua relevância política e lembrar constantemente sua origem humilde e miscigenada.