É comum ouvir dizer que hoje em dia as coisas evoluem muito rápido. No entanto estamos habituados a dizer isto sem realizar o conteúdo da frase na sua globalidade. No que diz respeito a meios técnicos e à tecnologia, mais do que parar para pensar, o que é comum é sentir na pele a velocidade alucinante do progresso. O que se usava há dez, vinte anos atrás para curar uma doença, já está ultrapassado. Quando compramos um computador, já sabemos de antemão que o mais provável é ter de o mudar dali a cinco anos. A nossa atitude é mais de deslumbramento do que de reflexão. Neste texto, através de dois exemplos, vamos olhar mais cuidadosamente para este fenómeno.
Em 1770, no palácio do império austro-húngaro em Viena, o barão húngaro Wolfgang von Kempelen apresentou uma invenção maravilhosa: uma máquina de madeira que sabia jogar xadrez. Fantasiado com turbante, o chamado Turco movia com braços mecânicos as peças sobre o tabuleiro. Jogava bem e vencia quase todas as partidas. Foi um sucesso.
Durante muito tempo a máquina actuou em feiras na França e nos Estados Unidos. Derrotou Napoleão Bonaparte e Benjamin Franklin, porém descobriu-se que não passava de uma fraude. Debaixo da mesa estava um jogador que pensava pelo Turco. Parecia magia que uma máquina conseguisse ser eficaz a jogar xadrez com os humanos. É exactamente este o facto que queremos salientar, o espanto que causava a substituição de um ser humano por uma máquina para a realização de certas tarefas.
Vamos dar agora um enorme salto para década de 1960. O mítico cineasta Stanley Kubrick no seu famoso filme 2001: Uma Odisseia no Espaço apresentou a ideia de uma máquina capaz de vencer o homem com facilidade. Repare que se trata de quase dois séculos depois do Turco! A estreia deste filme aconteceu numa década mais ou menos recente em que um irmão do autor deste texto já era vivo. Na altura da feitura deste incrível filme, ainda não havia os milhões de lindíssimas fotos da Terra vista do espaço nem tinham sido realizadas viagens à Lua (o que valoriza ainda mais a obra-prima de Kubrick). Realçamos que na época programas de computador capazes de jogar xadrez eram fraquíssimos. O autor deste texto jogou uma olimpíada de xadrez em 1990: mesmo nessa altura, o que se levava como suporte eram livros e revistas em vez de computadores.
Mudemos para um segundo exemplo, o das máquinas capazes de realizar operações aritméticas. Consideram-se as máquinas seguintes: uma registadora à manivela, uma calculadora rudimentar, uma calculadora científica, o microcomputador ZX Spectrum 48K, um dos primeiros PC, um dos primeiros browser, a calculadora TI-83, um iPad. O que queremos dizer com aceleração geracional da tecnologia é que não se trata de velocidade constante ‒ numa geração o progresso é dez ou vinte vezes mais vincado do que na geração anterior. Trata-se de velocidade acelerada. É talvez a primeira altura na história da humanidade em que os avanços tecnológicos são tão radicalmente diferentes na altura da morte de uma pessoa, quando comparados com a altura do seu nascimento.
A máquina à manivela pode ser vista em antigos filmes portugueses ‒ tempo escolar do pai do autor deste texto. A calculadora rudimentar era uma máquina capaz de lidar apenas com operações aritméticas fundamentais ‒ tempo escolar dos irmãos do autor deste texto. A segunda calculadora era capaz de efectuar cálculos científicos, mas incapaz de lidar com programação ‒ tempo escolar do autor deste texto. O ZX Spectrum 48K foi o seu primeiro computador e um dos primeiros PC o seu primeiro personal computer, enquanto um dos primeiros browser da internet da era pré-Google e uma das primeiras calculadoras gráficas remontam ao seu tempo profissional. O iPad, que ele usa apenas para se ligar ao mundo, é utilizado como brinquedo por uma das suas filhas.
A progressão é acelerada e a aceleração é enorme!
Voltemos ao primeiro exemplo do xadrez. Em 1997, munido de consultas a todo o tipo de bases de dados e avaliando cerca de cem milhões de posições por segundo, o Deep Blue venceu pela primeira vez um campeão mundial num match (Deep Blue 3,5 ‒ Kasparov 2,5). Depois de perder o match, Kasparov queixou se, sugerindo que a máquina foi ajudada por humanos uma vez que alguns lances lhe pareciam "humanos demais". A verdade é que muitos lances que foram objecto dessas queixas são jogados por diverso software recente, o que leva a crer que a história do Turco não se repetiu.
Mais tarde houve um escândalo no importante match Topalov-Kramnik. Topalov e a sua equipa sugeriram batota por parte do adversário, queixando-se de uma hipotética consulta informática durante as partidas. De facto, mais que o problema do doping, no xadrez actual a principal fraude que se pode cometer é essa. É interessante ver que, ao contrário do que aconteceu com o Turco, a queixa é inversa: o homem assistido pela máquina. São os sinais dos tempos. Hoje em dia, o que parecia magia no tempo do Turco não só parece possível, como é o que as pessoas esperam. A percepção mudou.
Actualmente os computadores sabem a verdade sobre posições de xadrez com um número de peças até sete. Sabemos o estilo de todos os jogadores de competição através de enormes bases de dados. Simples software ganha a campeões do mundo e é capaz de avaliar beleza de problemas de xadrez. Com os nossos GPS sabemos ao milímetro onde estamos. Com iPad e telemóveis estamos sempre contactáveis. Somos capazes de detectar deslocamentos de metros em estrelas distantes e, com isso, descobrir planetas semelhantes ao nosso planeta azul. Por falar em azul, toda esta tecnologia pode, em alguns casos, ser nociva ao bom ambiente do lugar em que vivemos.
Há lados perversos. Há adolescentes que nunca conseguirão ser incógnitos (toda a sua vida está no Facebook, mesmo que um dia se arrependam). Dependemos da internet e dos multi-bancos. Se as máquinas nos falharem teremos, quase todos, muitos problemas para resolver. Há coisas que os computadores fazem, mas ninguém sabe como fazem. Há muito desemprego que é causado directamente pelo avanço tecnológico. Há mais computadores a navegar na internet do que seres humanos. Um telemóvel dos nossos, no que diz respeito a tratamento de dados, pode ter uma capacidade maior do que a tecnologia usada para ir pela primeira vez à Lua. Normalmente, os nossos sistemas de ensino são antiquados, uma vez que, de forma natural, foram pensados pelas gerações anteriores.
A tecnologia pode ser muito boa, mas também pode ser má. Mas uma coisa é certa, é incontornável. Algum pensamento crítico sobre esta velocidade de progresso geracionalmente acelerada é bem-vindo.