A imagem da natureza humana que a cultura moderna herdou do Iluminismo seria de que os homens seriam seres movidos primariamente pela racionalidade. Thomas Hobbes enxergava o homem como ser semelhante aos autômatos, com o pensamento seguindo uma lógica matemática que busca a sobrevivência e a honra, estando, por isso, sempre cauteloso e desconfiado dos outros ao seu redor e agindo de modo inerentemente egoísta. Apesar de os iluministas terem desenvolvido uma doutrina mais otimista da sociedade, defendendo o potencial da cooperação humana, sua visão racionalista do ser humano permaneceu. Adam Smith acreditava que o homem era um ser, antes de tudo, negociador, que buscava, através de trocas de favores, prosperar. Por isso, a melhor sociedade seria aquela em que todos trabalhassem juntos, mas motivados pelos próprios interesses.
Ainda que a visão racionalista tenha contribuído para o desenvolvimento científico, ela não está completamente correta. O ser humano, grande parte das vezes, não é realmente racional, e sim impulsivo e racionalizador. As pessoas costumam tomar decisões por impulso e só depois pensarem numa desculpa sobre por que fizeram isso. Um experimento feito por neurocientistas ajudou a demonstrar como o processo ocorre.
Um paciente que havia passado por uma cirurgia seccionando a ligação entre as duas partes do cérebro foi voluntário. Os cientistas mandaram um sinal para o paciente indicando que ele se levantasse e, em seguida, perguntaram por que ele tinha levantado. O questionamento era que um dos lados do cérebro havia recebido o sinal, mas foi o outro lado que respondeu à pergunta, e, como os dois lados não se comunicavam por causa da cirurgia, ele não sabia a resposta correta. Como consequência, o paciente inventou um motivo para a ação. Aparentemente, o cérebro do paciente estava funcionando normalmente; logo, isso se assemelha a como ocorrem as tomadas de decisão na mente humana.
No cotidiano, frequentemente se tomam decisões a um ritmo ágil, não se podendo premeditar muito sobre as razões. Assim, nosso próprio cérebro não sabe os motivos reais que nos levaram a atuar daquela maneira. Apenas depois de praticado o ato, se põem a pensar na razão. Alguns experimentos indicam que o inconsciente humano toma a decisão e só posteriormente a informação alcança a consciência, que só teria como faculdade inibir ou não a ação. Esses estudos na neurociência levantam uma série de questões sobre o funcionamento da mente. Alguns cientistas e filósofos argumentam que isso poderia até ser um indício de que o livre-arbítrio não seria real.
Como boa parte dos processos de tomada de decisão humana ocorre a nível do inconsciente, está aberta a interferência de estímulos subjetivos, fazendo com que as decisões sejam tomadas por detalhes que muitas vezes deveriam ser irrelevantes. Num exemplo, cientistas entregavam o mesmo currículo para diversos profissionais avaliarem se valia a pena contratá-lo; entretanto, em alguns casos, era colocado um nome feminino nele e, em outras vezes, um masculino. Os currículos de homens receberam melhor aceitação e chances de contrato. O motivo não seria rejeição intencional dos entrevistadores, mas sim que o inconsciente deles já estaria acostumado a associar o cargo ao sexo masculino, portanto, teria desconfiança de contratar mulheres.
Esses fatores menores atuam em diversas situações que, do ponto de vista objetivo, não deveriam. Estudos apontam que pessoas altas têm chances maiores de serem contratadas para um emprego ou de ganharem uma eleição, pois o inconsciente associa altura a status e poder. Do mesmo modo, homens barbados correm um risco maior de serem condenados num julgamento. Namorados que compartilham sobrenomes iguais têm mais chances de se casarem do que o normal. As pessoas bonitas são perdoadas mais facilmente por seus delitos e mulheres recebem mais empatia por seu sofrimento do que homens.
Esses pequenos preconceitos podem ter grandes efeitos na sociedade. Em um experimento antigo e polêmico, um psicólogo quis testar quais estímulos eram necessários para desencadear conflito. Para isso, reuniu vários adolescentes brancos de classe média pertencentes ao mesmo grupo social, mas desconhecidos entre si. Primeiro, eles foram divididos em dois grupos em acampamentos separados e, após um tempo, o cientista falou para eles da existência do outro campo e anunciou que iriam ocorrer competições entre eles.
Antes mesmo de se conhecerem, os adolescentes já começaram a apresentar rancor contra o grupo oposto. Após apresentá-los, o estudioso fingiu se retirar e permaneceu escondido estudando os dois acampamentos. Em pouco tempo, desenvolveu-se um sentimento de competição nos adolescentes; isso evoluiu para rixas e, eventualmente, roubos. Transcorridas apenas três semanas, o cientista foi obrigado a interromper o experimento, pois um conflito violento havia se desencadeado e ele temia que alguém morresse.
Apesar de não existir nenhuma razão para o conflito, os adolescentes se hostilizaram. De fato, evidências apontam que o cérebro humano tende automaticamente a acreditar que certas coisas são melhores que outras apenas por serem suas. Seus professores, suas marcas, sua terra e suas crenças seriam melhores do que as dos outros. Do mesmo modo, ao serem apontados a fazer uma lista de pessoas que mereciam ir para o paraíso depois de mortas, é comum colocar a si próprio em primeiro lugar.
É comum presumir que erros e preconceitos são sinais de pouca inteligência, mas esses processos inconscientes afetam tanto pessoas sofisticadas quanto de origem simples. O filósofo Jean-Jacques Rousseau acreditava ser o homem mais bondoso que já viveu na Terra e que quem discordasse merecia ser executado. Entretanto, a maioria dos seus colegas intelectuais o considerava uma pessoa falsa e traiçoeira, que brigou com todos os amigos e afastava mesmo os que lhe desejavam o bem.
Pessoas inteligentes não são imunes à ilusão; grande parte dos estudantes universitários apresenta crenças em fantasmas ou terra plana. Com uma inteligência maior, vem também um maior talento para racionalização e para bolar melhores argumentos para defender as suas crenças, mesmo que suas opiniões sejam pouco embasadas. O renomado escritor Arthur Conan Doyle, famoso por ter escrito o racional personagem Sherlock Holmes, era, na realidade, muito supersticioso e fácil de enganar, tendo defendido publicamente a existência de fadas.
Atuar racionalmente não é um dom inato, mas uma técnica que tem que ser cultivada e aperfeiçoada a partir de treinamento e de pensamento crítico, ainda que a natureza humana imponha limites à racionalidade.