É muito comum nos depararmos com reclamações acerca do marasmo da rotina, do cansaço mental proporcionado pela repetição das atividades durante as semanas. Até mesmo a banda O Rappa tem um refrão que afirma a necessidade de navegar, pois, do contrário, a rotina nos cansa.
Mas será verdade? Não conseguimos enxergar a beleza e a satisfação na nossa própria rotina?
Em uma das tarefas mais recentes do doutorado, a atividade foi fazer uma análise do filme "Dias Perfeitos", de Wim Wenders, contextualizando com os textos que discutimos em sala de aula, o que não será o caso aqui. Na representação do filme, percebe-se um sopro de reflexão.
Sem adiantar o conteúdo do filme, a ideia central é contar a rotina do personagem principal, um funcionário que realiza a limpeza dos banheiros públicos de Tóquio. Parece uma rotina simples, de um trabalho estigmatizado e que gera preconceito sobre o sujeito representado.
Dessa forma, o filme representa não só uma crítica social, mas também uma crítica à modernidade e a como nós, a grande maioria da sociedade, só enxergamos satisfação na hiperconectividade do mundo moderno. O protagonista se basta na construção do seu sujeito, pois ele se autoexclui da modernidade e encontra satisfação na sua rotina simples e, o que muitos julgariam, monótona, de um idoso desconectado do mundo moderno.
O ponto central é que, quanto mais conectados estamos, menos apreciamos os momentos. A correria diária, somada à perda de tempo na checagem das dezenas de aplicativos que baixamos em nosso celular, nos consome.
Acordamos e nem reclamamos nem agradecemos, mas corremos para o celular para ver o que “perdemos” enquanto dormíamos. Talvez a maior lição do filme seja justamente agradecer por acordar e se animar por mais um dia de vida, e não só de trabalho.
Ao compreendermos que nosso dia é repleto de momentos únicos, que dificilmente se repetirão de forma idêntica, poderíamos passar a apreciar mais, a sentir mais. Contudo, buscamos auras, momentos que ficarão eternizados em nossa memória, e acabamos por não perceber que o sentimento ao ver o pôr do sol na estrada pode ser uma aura, somado à música que toca e nossa sensação ao combinar tudo aquilo.
E este que vos escreve padece dessa falta de compreensão muitas vezes e tenta melhorar.
Para mim, a preocupação com o dia seguinte acaba por esconder a beleza do presente. A incapacidade de tratar aquele sentimento proporcionado por uma série de informações particulares de um momento às 17:00 de uma tarde de outono como singular é um dos principais males da modernidade. Afinal, o momento que iremos eternizar pela câmera do nosso celular, que jamais iremos revisitar, pode parecer importante no momento, principalmente quando há a possibilidade de viralizar na internet.
A aura nas redes sociais pode ser representada por aquela foto perfeita na atração turística mais famosa do mundo, mas a aura da memória pode ser a caminhada que te leva até o ponto turístico, por observar centenas de rostos felizes ou tristes, por ver os movimentos artísticos que existem no caminho. O caminho pode ser muito mais satisfatório que o fim da jornada.
Algumas músicas e poemas – as duas ao mesmo tempo, se considerarmos a canção "Quem Me Leva os Meus Fantasmas" interpretada por Maria Bethânia – se baseiam exatamente nessa premissa, nos informando que nossa vida está no dia a dia e não no resultado. E, caso fosse um conselho, eu deveria ser o primeiro a aplicar essa filosofia.
Por alguns momentos, este texto pode parecer motivacional, mas não o é; é apenas uma problematização filosófica acerca de nossa própria existência, do que valorizamos e de que forma ganhamos tempo até alcançar o resultado final, que pode nunca vir.