O termo latim “affectus” foi introduzido na língua portuguesa no século XIX e sua origem etimológica é o verbo “afficere” que significa “tocar”, “comover” e “agir sobre” — ações de impacto fundamentais para o desenvolvimento humano. Desde então, a afetividade tem ganhado cada vez mais espaço em diferentes nichos, mas especialmente no âmbito educacional, afinal, a escola tem um papel primordial na promoção da aprendizagem de conhecimentos, habilidades e valores para a formação integral do indivíduo. Não foi à toa que Rubem Alves1 disse que “toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva”. Mas como o fato afeto afeta? Como afetar afetuosamente?

A afetividade abrange um amplo espectro de fenômenos, incluindo emoções, sentimentos, paixões, desejos, motivações e atitudes que permeiam as relações interpessoais. É uma dimensão primordial da experiência humana, que influencia todos os aspectos de nossa vida, inclusive o processo de ensino. Na educação, a afetividade é um elemento essencial para a promoção da aprendizagem significativa. Quando os alunos se sentem acolhidos, valorizados e apoiados emocionalmente, eles experienciam o processo escolar de forma mais ativa para o desenvolvimento de habilidades, além de criar comportamentos positivos para o crescimento escolar e humano.

Para o psicólogo francês Henri Wallon - um dos pioneiros no estudo do afeto na educação - a afetividade é o centro do ensino, bem como um processo dinâmico, que se desenvolve ao longo da vida, que é influenciado pela genética (desempenha um papel no desenvolvimento das emoções e dos sentimentos), pelo ambiente (as experiências que as pessoas têm na infância e na adolescência podem moldar suas emoções e sentimentos ao longo da vida) e pela educação (ajuda as pessoas a desenvolver habilidades sociais e emocionais, que são essenciais para o bem-estar). De acordo com ele, esse processo é dividido em etapas:

  • Etapa impulsiva (0-2 anos): nesta etapa, a afetividade é baseada nos instintos e nas necessidades básicas. As crianças são motivadas por seus desejos e necessidades imediatos, e suas emoções são frequentemente intensas e imprevisíveis.
  • Etapa emocional (2-6 anos): nesta etapa, a afetividade é baseada nas emoções e nos sentimentos. As crianças começam a desenvolver um vocabulário emocional e a entender as emoções dos outros. Eles também começam a aprender a controlar suas emoções.
  • Etapa pessoal (6-12 anos): nesta etapa, a afetividade é baseada na personalidade e no ego. As crianças começam a desenvolver um senso de identidade e a desenvolver relacionamentos com os outros. Eles também começam a experimentar emoções mais complexas, como amor, ódio e ciúme.
  • Etapa social (12-20 anos): nesta etapa, a afetividade é baseada nas relações sociais. Os adolescentes começam a explorar sua identidade e a desenvolver relacionamentos românticos. Eles também começam a experimentar emoções mais intensas, como paixão e amor.
  • Etapa adulta (20 anos em diante): nesta etapa, a afetividade é baseada na experiência e na maturidade. Os adultos desenvolvem um senso de autoconhecimento e de autoaceitação. Eles também aprendem a lidar com emoções complexas e desafiadoras.

Resumidamente, Wallon enfatiza a importância da interação entre a afetividade e a cognição para o desenvolvimento humano. Ele acredita que a afetividade é um aspecto fundamental da cognição e que o desenvolvimento cognitivo é influenciado pelas emoções.

Impossível mencionar os estudos de Henri Wallon sem recorrer a outros dois importantes teóricos do desenvolvimento humano — Erick Erikson2 e David Gallahue3, pois suas pesquisas, embora separadas fisicamente pelo tempo, são linearmente complementares, provocando a interconexão entre afetividade, cognição, motricidade e aspectos sociais.

Erikson enfatiza a importância das relações interpessoais para o desenvolvimento da afetividade. Ele acredita que a afetividade é moldada pelas experiências que o indivíduo tem com os outros, pois está intimamente ligada aos estágios psicossociais do desenvolvimento humano. Em cada estágio, o indivíduo enfrenta um conflito que deve ser resolvido para que o desenvolvimento ocorra de forma saudável. O conflito é resolvido de forma positiva ou negativa, dependendo da qualidade das relações interpessoais do indivíduo.

No estágio da confiança básica versus desconfiança básica (0 a 1 ano), o bebê precisa desenvolver a confiança de que suas necessidades serão atendidas. Isso ocorre por meio da relação com os cuidadores, que devem ser responsivos e sensíveis às necessidades do bebê.

No estágio da autonomia versus vergonha e dúvida (1 a 3 anos), a criança começa a explorar o mundo ao seu redor. Ela precisa desenvolver a autonomia, ou seja, a capacidade de fazer as coisas por si mesma. Isso ocorre através da relação com os cuidadores, que devem permitir que a criança explore o mundo de forma segura e desafiadora.

No estágio da iniciativa versus culpa (3 a 6 anos), a criança começa a desenvolver a iniciativa, ou seja, a capacidade de tomar decisões e assumir riscos. Isso ocorre por meio da relação com os cuidadores, que devem encorajar a criança a explorar o mundo e a tomar suas próprias decisões.

Gallahue, por sua vez, entende a afetividade como um processo que se desenvolve ao longo da vida. Ele identifica quatro áreas da afetividade:

  • Afetividade cognitiva: refere-se às emoções e aos sentimentos que são influenciados pelo pensamento e pela cognição.
  • Afetividade social: refere-se às emoções e aos sentimentos que são influenciados pelas relações sociais.
  • Afetividade motora: refere-se às emoções e aos sentimentos que são expressos por meio do movimento.
  • Afetividade física: refere-se às emoções e aos sentimentos que são influenciados pelo estado físico do indivíduo.

Gallahue acredita que a afetividade é importante para o desenvolvimento motor e que as emoções podem ser expressas pelo movimento. Ele afirma que as emoções positivas, como a alegria, empolgação e a confiança, contribuem para o desenvolvimento de habilidades motoras de forma livre e espontânea. Já as emoções negativas, como a ansiedade, preocupação e o medo, podem dificultar o aprendizado motor e são expressas por movimentos tensos e rígidos.

A relação entre as três abordagens pode ser resumida da seguinte forma:

  • Erikson e Wallon concordam que a afetividade é um aspecto essencial do desenvolvimento humano.
  • Gallahue concorda com Erikson que a afetividade é moldada pelas experiências que o indivíduo tem com os outros.
  • Wallon concorda com Gallahue que as emoções podem ser expressas por meio do movimento.

Diante dos estudos dos três teóricos apresentados acima, é impossível discordar que o afeto está presente em todas as fases do desenvolvimento humano, afinal toda ação humana é resultado de um impulso afetivo. Por isso, o professor, mediador e facilitador da aprendizagem, precisa dela para tornar o ambiente escolar atraente, acolhedor, engajante e significativo. Diante da compreensão da fundamentalidade do afeto no processo de ensino, o desenvolvimento das habilidades sociais e emocionais fazem parte do planejamento e ações pedagógicas como estratégias de educação. Afinal, a afetividade motiva e facilita o desempenho cognitivo, assim como promove a autoestima, autonomia e virtudes essenciais para o sucesso acadêmico e pessoal. Além disso, faz a interconexão entre cognitivo, afetivo, motor e social para refletir, desenvolver, vivenciar e efetivar o desenvolvimento dos pilares da educação:

  • Aprender a aprender: desenvolve as habilidades cognitivas como o pensamento crítico, a resolução de problemas e a criatividade. Resumidamente, é a capacidade de se automotivar e de buscar o conhecimento de forma autônoma. É possível desenvolver tal eixo realizando atividades que estimulam o pensamento crítico, como debates, projetos de pesquisa e jogos de raciocínio.
  • Aprender a fazer: aquisição de competências práticas e habilidades para a realização da atividade ou trabalho. É necessário oferecer propostas práticas como: “mão na massa”, sala de aula invertida, Rotina de Pensamento e outras ferramentas pertencentes à Metodologia Ativa.
  • Aprender a ser: construção de uma identidade pessoal e social, pautada em valores e princípios éticos. É possível realizar atividades que promovam o autoconhecimento, a formulação da opinião e o respeito das opiniões divergentes, a reflexão e a formação de valores, o empoderamento pessoal e humano, a autoavaliação.
  • Aprender a conviver: desenvolvimento da capacidade de se relacionar com os outros de forma respeitosa e colaborativa. Para propiciar esse eixo, é preciso realizar atividades em pares ou grupos, projetos de voluntariado, provocar a reflexão sobre temáticas de foro social de acordo com a faixa etária e embasar as propostas pedagógicas nos aspectos socioemocionais. Vale ressaltar que os livros permitem desenvolver discussões e olhares diversos por meio da função social da leitura.

Mas como oportunizar a afetividade na Educação, para que ela desempenhe o seu papel como processo, como relação, como motivação e como aprendizagem?

Criar um ambiente de aprendizagem positivo e estimulante: os professores devem criar um ambiente de aprendizagem onde os alunos se sintam seguros e apoiados. Isso pode ser feito por meio de quatro estratégias como:

  1. Estabelecer regras e limites claros: os alunos precisam saber o que é esperado deles e devem participar da construção de tais regras, refletindo sobre os benefícios delas no âmbito pessoal e coletivo.
  2. Oferecer feedback positivo: os alunos precisam saber o que estão fazendo bem.
  3. Oportunizar a autoavaliação: os estudantes precisam conseguir mapear o seu processo de maneira específica, mensurável, realista, atingível e de maneira relevante.
  4. Criar um senso de comunidade: os alunos precisam se sentir pertencentes.

Fomentar as relações positivas entre alunos e professores: as relações positivas entre alunos e professores são essenciais para o desenvolvimento da afetividade. Os professores devem ser atenciosos, empáticos e respeitosos com os alunos.

Envolver os estudantes em atividades que promovam a aprendizagem social e emocional: existem muitas atividades que podem ser usadas para promover a aprendizagem social e emocional. Algumas exemplos incluem:

  • Jogos corporais: despertam a atenção corporal (ajustamento do corpo e preparações motoras diante do “eu” em relação ao espaço situacional) e atenção cognitiva (percepção, elaboração e criação de estratégias).
  • Jogos cooperativos: os jogos cooperativos ajudam os alunos a trabalhar juntos e a resolver problemas.
  • Projetos de grupo: os projetos de grupo ajudam os alunos a desenvolver habilidades de comunicação e colaboração.
  • Atividades de resolução de conflitos: as atividades de resolução de conflitos ajudam os alunos a aprender a lidar com conflitos de forma construtiva, as assembleias, por exemplo.

Portanto, embasados nos estudos de Wallon, Erikson e Gallahue, a afetividade não é ser só carinhoso, como muitos definem. Afetividade é um aspecto complexo que não pode ser reduzido a uma única definição, pois é um conjunto de emoções, sentimentos e atitudes que influenciam diretamente na aprendizagem e no desenvolvimento humano, proporcionando a construção de uma permanência educativa experiencial significativa, atitudinal, motora, processual, social, interpessoal e conceitual. Afinal, somos seres racionais, com reflexos emocionais, em situações relacionais.

Notas

1 Alves, Rubem. "A pedagogia do afeto e da paixão pelo educar". In: Alves, Rubem. A escola com alma: educação e reforma íntima. São Paulo: Editora Planeta, 2002. p.13-24.
2 Erikson, E. H. (1950). Childhood and society. New York: Norton.
3 Gallahue, D. L. (2006). Development and learning in physical education (6th ed.). New York: McGraw-Hill.