Conhecer um país vai muito além de visitar os seus museus, conhecer castelos ou até mesmo visitar os pontos mais turísticos. Trata-se de conhecer os seus cantos, as pessoas e a sua culinária. Em Portugal, a cozinha tradicional é riquíssima e bastante variada, desde os doces conventuais à massa a lavrador, dos fios de ovo à feijoada, sem esquecer claro os inúmeros pratos de bacalhau. Com natas, á Gomes de Sá, com batata frita, com batata palha ou simplesmente cozido, o bacalhau é a estrela da nossa cozinha e o peixe de eleição dos portugueses. Mas como esta relação de amor começou?

Pelo que se sabe, desde o império romano que Portugal se destacava na arte de salgar o peixe, sendo o principal fornecedor de conservas do império, no entanto, só por volta de 1500 é que começam a pescar e a salgar o bacalhau, que foi imediatamente incorporado nos hábitos alimentares dos portugueses, além de ser muito popular nas embarcações, uma vez que resistia às longas viagens pelo mar.

Inicialmente, a pesca era feita nos mares da Gronelândia e da Terra nova (atual Canadá), mas logo o domínio inglês e francês fez com que os pescadores portugueses fossem expulsos desta área geográfica. Portugal torna-se assim dependente das exportações do “bacalhau inglês”, que se transforma numa iguaria, só acessível para a Casa Real, para a aristocracia e para os Hospitais da Misericórdia. Mas atenção, os portugueses não foram os primeiros a consumir e comercializar o bacalhau. A origem do consumo deste peixe remonta aos vikings, que pescavam e secavam o peixe ao ar livre, e depois consumiam-no nas suas longas viagens.

A partir do século XIX, o bacalhau passa a ser considerado um peixe fácil de conservar e transportar para o interior do país, o que leva a um aumento do seu consumo em Portugal. Além disso, este também era considerado um ótimo substituto da carne, facilitando, assim, o jejum que antecedia as festas religiosas. Antigamente, a igreja realizava um período de abstinência na Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa (que ainda hoje é realizado) e na semana que antecedia o Natal, o que obrigava ao consumo de peixe pelos católicos. Com o passar dos anos, e fruto das tradições, o consumo de bacalhau passou a ser regra nas épocas festivas, principalmente na região norte do país que, até hoje, mantém a tradição de comer bacalhau no Natal.

Apesar de já ser consumido em grande escala, o bacalhau torna a popularizar-se no estado novo. Pelo que se observava, até 1920, as companhias piscatórias não funcionavam e a pesca em Portugal carecia de organização e incentivos financeiros. Face a este problema, Salazar lança, em 1934, a “Campanha do bacalhau”, que pretendia instituir o bacalhau como símbolo nacional e aumentar a capacidade de produção interna. Várias medidas foram tomadas para ajudar: o estado fixou os preços, garantiu mão de obra barata, fomentou a criação de cooperativas e financiou os navios e armadores.

As medidas implementadas levaram os portugueses a alto mar, e garantiram o abastecimento total do país. O bacalhau passa a ser reconhecido como o “pão dos mares” e Portugal assume-se, em 1958, como produtor n.º 1 de bacalhau salgado seco. No entanto, tudo muda com o final da ditadura e a revolução de 25 de Abril. As mudanças nos regimes laborais, a limitação das zonas económicas e o aumento da competição internacional levaram a que a pesca portuguesa se tornasse impossível, e que o país tivesse de voltar a importar este peixe. Atualmente, Portugal consome 20% de todo o bacalhau capturado mundialmente, sendo o seu principal fornecedor a Noruega.

Com 1001 maneiras de se cozinhar, o “fiel amigo” continua a ser o destaque da culinária portuguesa, estando presente tanto em refeições caseiras como em bares, tabernas ou restaurantes. Aqui, podemos destacar algumas receitas como:

Bacalhau à Zé do Pipo: prato típico da gastronomia portuguesa, criado por José Valentim, também conhecido por “Zé do Pipo”, dono de um restaurante tradicional no Porto. Com três ingredientes principais (lombo de bacalhau, maionese e puré de batata), a receita popularizou-se após ganhar o concurso “A melhor refeição ao melhor preço”.

Bacalhau à Brás: é um dos pratos mais populares de bacalhau, composto por bacalhau desfiado, ovos mexidos e batata frita. A receita surgiu no Bairro Alto, em Lisboa, e rapidamente atravessou fronteiras conquistando os nossos vizinhos, os espanhóis.

Bacalhau à Gomes de Sá: Prato típico da cidade do Porto, criado por José Luís Gomes de Sá, negociante de bacalhau, que vendeu a sua receita a um cozinheiro do Restaurante Lisbonense. A partir daí, a fama do prato só cresceu.

Conhecer a história do bacalhau, mesmo que brevemente, é conhecer um pouco da história de Portugal e do seu povo, que sem medos se aventurou em alto mar. É sentir anos de tradição e trabalho. Para nós portugueses, é parte da nossa identidade cultural, é uma lembrança boa dos jantares de Natal onde a família se reunia, é uma bela e secular história de amor.