Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa são apenas alguns dos milhares de exemplos de grandes autores da nossa literatura nacional. Contudo, desde o crescimento da internet e a globalização, a literatura nacional acabou diminuindo em prol de autores internacionais, escritores de best sellers. Essa é uma das razões que apontam o declínio do mercado editorial nacional, mas será mesmo que é apenas isso?

A moda do PP, ou Pagou e Publicou, não é nova, mas é uma prática que, infelizmente, se mantém até hoje. Basicamente, o autor do livro "investe" uma quantia para a editora, que vai revisar, editar, fazer o marketing, e ele vai ganhar uma pequena parcela dos royalties e a editora uma parcela maior, para cobrir o gasto investido no autor, de acordo com elas.

Entretanto, apesar dessa explicação simples fazer sentido e não ter nada de errado com a prática em si, há alguns poréns a serem citados. O primeiro é o fato de que o original do autor passa primeiro por uma triagem para ver se vale a pena ser publicado ou não. O segundo é o fato de que algumas editoras exigem que o autor compre edições do livro (muitas vezes centenas, chegando até a casa dos mil) para que ele próprio venda. E o terceiro é o autor ter que fazer a propaganda do livro também, não apenas em redes sociais, mas também em bienais.

Então, veja, além de ter que ter seu livro selecionado (e se ele for selecionado, mostra que é bom o suficiente para ser publicado), o autor ainda vai ter que comprar, vender e fazer a parte de marketing do livro. Coisas que a maioria das editoras dizem que irão fazer, e por isso o autor tem que “investir” dinheiro, pois está pagando pelos serviços da editora.

Embora, de maneira racional, possamos dizer que não existe nada de errado com essa prática, se formos analisá-la de forma mais minuciosa, podemos notar que o autor é a parte mais prejudicada nessa prática.

Vamos começar pelo original do autor: se ele manda um original para ser avaliado e a editora gosta e quer publicá-lo, isso demonstra que o original é bom e que a editora viu potencial de publicação nele. Mas se ele foi avaliado como bom, por que o autor tem que “investir” dinheiro na publicação de seu original? A editora já o avaliou, já viu potencial nele. Pedir um “investimento” monetário da parte do autor se torna, com o perdão da palavra, ridículo (e em alguns casos até abusivo).

Usar a desculpa de "a editora precisa cobrir os custos de investimento" é absurda, visto que o autor, de certa forma, se torna um empregado da editora. Imaginemos o seguinte: um gerente faz uma avaliação de possíveis candidatos a uma vaga de emprego e seleciona um que ele acha bom. Em seguida, ele pede um investimento da parte do contratado para cobrir os custos deles, caso o funcionário não trabalhe como eles esperam e para que eles não tenham prejuízo.

A mentalidade já começa errada ao pensar que o funcionário, no caso da editora, um autor, vai dar prejuízos para a empresa. Se a empresa tiver prejuízo com o funcionário, isso não é culpa do funcionário escolhido, e sim da pessoa que o avaliou o trabalho dele como bom. No caso de uma editora, um autor só vai dar prejuízo se a obra que ele escreveu foi erroneamente avaliada como vendável ou se a editora não investiu direito no marketing em cima do livro e do autor.

No caso do "pagamento pelos serviços da editora", podemos aplicar o mesmo exemplo usado anteriormente. O funcionário contratado paga para a empresa cobrir os custos deles, mas não apenas isso. O pagamento do funcionário serve também para pagar pelos serviços do RH que o entrevistou, do estagiário que mandou e-mail, da moça da limpeza que limpou a sala para eles fazerem a entrevista e etc.

A edição, revisão, capa e divulgação do livro são obrigações da editora. Dizer que o autor precisa pagar pelos serviços dela não faz sentido, já que esse trabalho é o normal que uma editora faz. Poderia se argumentar se a editora não fosse ganhar nada, ou uma parcela muito pequena com a vendagem dos livros, contudo é exatamente o contrário. As editoras ganham uma parcela muito maior do que os autores, seja por vendagem ou royalties, ou pelos dois.

Elas ganham por terem investido no autor não é errado, é até de certa forma mais do que justo. Contudo, se a recuperação do investimento vem pelas vendagens e royalties, não tem o menor sentido cobrar dos autores um “investimento” da parte deles para o livro ser publicado.

Se o autor vai ter que investir para ter seu livro publicado, então ele não precisa nem passar por uma avaliação da editora para ver se o original é bom. Além disso, nos casos do autor ter que comprar centenas de edições para ele ter que vender e ele mesmo ter que fazer a divulgação da sua obra, a editora praticamente vai ganhar fazendo o mínimo do trabalho dela. E pior, vai ganhar muito mais do que o autor.

Então veja, o mercado editorial nacional está morrendo principalmente pela completa falta de investimento das editoras com os autores nacionais. Sim, os livros estão mais caros, sim a economia está difícil, mas tem livros que se tornaram virais apenas por serem postados em redes sociais e terem um bom marketing. Então veja, mesmo com tudo isso, as pessoas se interessam por ler.

As últimas bienais e feiras de livro da USP bateram recorde de público e de vendas, contradizendo a prerrogativa de "o mercado editorial está ruim". Ele está ruim por falta de investimento em autores nacionais, ele está ruim por falta de bom marketing, ele está ruim por conta das editoras estarem muito mais preocupadas com o lucro e não em investir em novos talentos.

Se continuar desse jeito, o mercado editorial vai continuar perdendo milhares de bons autores por não terem ninguém que invista e acredite neles. E com isso a cultura do nosso país vai a cada dia morrendo mais e mais.