O aumento no uso de drogas em todo o mundo é um fenômeno complexo e multifacetado, influenciado por uma variedade de fatores, como mudanças sociais, econômicas e políticas. O consumo de drogas pode ser influenciado por fatores como a disponibilidade de substâncias, políticas governamentais, desigualdades sociais, problemas de saúde mental e dinâmicas culturais. Em alguns lugares, políticas mais liberais em relação às drogas foram implementadas para lidar com o problema do abuso, enquanto outros países adotaram abordagens mais rigorosas e punitivas.
É importante observar que a situação pode variar significativamente de país para país e região para região. Por exemplo, nos Estados Unidos, a parcela de americanos que via o vício em drogas como um "grande problema" em sua comunidade diminuiu nos últimos anos, mesmo com as mortes por overdose aumentando.
Além disso, a pandemia de COVID-19 pode ter tido impactos no uso de drogas, seja devido ao estresse adicional, mudanças nos padrões sociais ou interrupções no acesso aos serviços de tratamento.
Diante desse cenário, algumas drogas tiveram seu consumo aumentado vertiginosamente, como é o caso do Fentanil. O Fentanil, uma droga barata e mortal, é 50 vezes mais poderosa que a heroína, e 2 miligramas podem matar um indivíduo. É 100 vezes mais potente do que a morfina e causa 100 mil mortes por ano nos EUA.
O Fentanil parece uma lenda, uma história para assustar as crianças. Mas é letal; uma dose pode ser obtida por cerca de US$ 2,5, equivalente a cerca de R$ 12,00. A pessoa fica viciada só de experimentar a droga algumas vezes. E uma vez no corpo, é difícil expeli-la. O efeito, a pressa, não dura muito, e a "malilla", como é chamada pelos americanos a síndrome de abstinência, se espalha rapidamente: os ossos doem como se fosse uma gripe, a cabeça como se fosse uma enxaqueca, o estômago como se fosse gastroenterite. A reação do corpo sem a droga é feroz.
O fentanil é fumado, inalado ou injetado. E para os que tentam ganhar tempo na luta contra o vício, apenas três vezes ao dia é um exemplo de força de vontade, já outros podem chegar a 10 punções diárias. Uma das poucas pesquisas coloca a média em sete. Aqueles que o consomem transformaram suas vidas em uma corrida contra a próxima dose.
O rastro desta droga é internacional. A maioria de seus precursores, as moléculas usadas para criá-lo, saem da China e da Índia, chegam ao México por seus portos ou pela Guatemala e são cozidos, montados e enviados para o exterior, para os Estados Unidos e Canadá, os maiores consumidores no mundo. Em seu destino final, o fentanil geralmente não está sendo processado por conta própria, mas foi introduzido por cartéis disfarçados de cocaína, heroína e cristal.
É conveniente para eles fazerem dessa forma porque é muito mais lucrativo do que a cocaína, que eles têm que produzir nas montanhas colombianas, ou a heroína, que eles têm que passar com o ópio e têm grandes plantações, quando o fentanil é produzido em laboratórios simples, pequenos, com poucos precursores químicos, não requerendo grandes instalações. Tal é o seu poder que com um pouco de ingrediente ativo podem fazer muito produto. É altamente rentável; os cartéis ganham muito mais dinheiro com fentanil do que com cocaína ou heroína.
O fentanil tornou-se assim uma espécie de galinha dos ovos de ouro para os narcotraficantes, o que também lhes permite vendê-lo muito mais barato: a produção é mais barata e os riscos são menores, eles também podem transportar menos produto porque gera muito mais efeito.
Por trás dessa premissa simples estão as 200 mortes por dia nos EUA causadas pelo fentanil. Grande parte dos afetados usava cocaína ou cristal em suas doses habituais que, sem seu conhecimento, continham fentanil.
Se você é como a maioria das pessoas, que provavelmente recorre à internet para obter respostas para muitas perguntas. Enquanto os motores de busca são muito úteis, há um monte de informações incorretas sobre drogas online.
É preciso muito cuidado com determinados sites que oferecem medicamentos, pois as pílulas falsificadas são medicamentos falsos que têm ingredientes diferentes do medicamento real, e tem se tornado um assunto importante devido aos riscos para o usuário. Eles podem ter um pouco dos ingredientes reais ou nenhum. Os usuários não serão capazes de dizer se uma pílula é real ou falsa apenas olhando para ela. E, infelizmente, muitas pílulas falsificadas contêm quantidades mortais de fentanil ou metanfetamina.
Relatos de aumento do uso de fentanil no Brasil contemporâneo são preocupantes, mas uma crise semelhante à dos EUA pode ser evitada. A Pesquisa Nacional sobre o Uso de Substâncias de 2015 evidenciou a prevalência não trivial do uso não médico de analgésicos opioides em uma grande amostra probabilística no Brasil. As taxas se aproximaram das de uso não médico nos EUA no início dos anos 2000 e muitas vezes ocorriam em combinação com álcool e benzodiazepínicos. Ela acompanhou um aumento de ∼500% nas vendas de opioides em farmácias de 2009 a 2015, conforme documentado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Este aumento nas vendas de opiáceos não foi impulsionado pelo fentanil, mas sim pela codeína e um rápido crescimento das prescrições de oxicodona (quase ausentes antes de 2010).
O Brasil foi um dos países mais atingidos pela pandemia de Covid, com 700 mil mortes em abril de 2022. Agravado por atrasos na disponibilidade de vacinas, as altas taxas de hospitalização e ventilação para casos graves levaram a uma alta demanda por fentanil, usado como sedativo durante a intubação, conforme documentado pela Anvisa e pelos sistemas hospitalares privados brasileiros.
O impacto do uso de fentanil no uso contínuo ou dependência de opioides permanece desconhecido. A crise dos opioides nos EUA tem duas fontes principais de abastecimento: 1) o marketing pesado, a prescrição excessiva e o desvio de opioides de fontes médicas, 2) os crescentes mercados de heroína e, posteriormente, de fentanil ilícito, impulsionados pelas altas taxas de dependência e demanda entre a população dos EUA. Os mercados ilícitos de opioides pareciam ausentes no Brasil até que uma apreensão de fentanil de rua foi relatada em uma cidade de médio porte no estado do Espírito Santo em 2023.
De fato, dados anteriores consideravam que a utilização de heroína era essencialmente nula. O desdobramento dessa primeira apreensão de fentanil ilícito é desconhecido, mas seus riscos devem ser interpretados no contexto de importantes fatores distintivos do cenário norte-americano.
O perfil sociodemográfico dos brasileiros que usam opioides é diferente dos EUA: na pesquisa de 2015, as mulheres eram mais propensas a usar opioides de forma não médica, enquanto o oposto é verdadeiro nos EUA. O poder de compra dos brasileiros empalidece em comparação com o mercado norte-americano em relação a qualquer commodity, inclusive drogas recreativas. Enquanto a cocaína é uma mercadoria barata e disponível no Brasil, enquanto a heroína e outros opioides ilícitos são caros, considerando o baixo PIB per capita do Brasil e sua moeda fraca. Em segundo lugar, embora os EUA sejam um dos principais destinos das rotas de tráfico do México e das Américas Central e do Sul, o Brasil tem sido historicamente uma rota e um mercado chave para a cocaína ao longo dos anos, mas não para os opioides ilícitos.
Assim, embora o mercado norte-americano de diferentes opioides esteja estabelecido há décadas, o mercado brasileiro de opioides ilícitos ainda não foi implementado pelos cartéis de drogas. O exemplo dos EUA deveria, portanto, funcionar como um alerta ao Brasil, sem pânico iminente. Os mercados ilícitos, por sua própria natureza, são imprevisíveis, e a possível mistura de fentanil no fornecimento de cocaína no Brasil - um problema crescente nos EUA - é realmente preocupante.
Por essa razão, em recente decisão, a Anvisa impôs restrição aos precursores do fentanil, com a adoção das normas do UNODC. Se esta iniciativa funcionará ou se o tiro sairá pela culatra com manobras evasivas (por exemplo, rotas alternativas de tráfico e/ou novos precursores) só o tempo dirá. Até agora, a ameaça emergente de uma potencial crise de saúde pública impulsionada pela disseminação do fentanil tem sido basicamente tratada por uma mídia proativa, grupos de pesquisa escassos e respostas rápidas da Anvisa.
É extremamente necessário um compromisso da sociedade civil, da comunidade científica e do governo em todos os níveis. Olhar para trás nas lições aprendidas de outros países é fundamental, mas todos os grandes problemas que afetam as sociedades têm dimensões globais e locais. Não há tempo para ficar de pé e só olhando.