Embora petropolitana e moradora da cidade imperial na serra fluminense, decidi que escreveria não sobre a joia entre as montanhas – embora minha paixão por esse lugar me impulsione a fazer isso em breve – e sim sobre um bairro carioca (também imperial, diga-se de passagem) que roubou meu coração. São Cristóvão é, para mim, um dos bairros mais charmosos do Rio de Janeiro.

Há uma relação de afeto nessa afirmação. Foi nesse lugar que passei anos maravilhosos da minha vida profissional, trabalhando no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), um oásis no meio do caos que também faz parte dessa paisagem. As grandes árvores, o belo jardim e todo envolvente clima que remete às pesquisas astronômicas contribuem para a magia do lugar. É empolgante ver crianças correndo pelo gramado tentando medir as distâncias entre os planetas do sistema solar, reproduzidos em escala; ou ainda curiosas sobre os pavilhões astronômicos, que formam um conjunto arquitetônico lindíssimo.

Além da área externa que convida à um piquenique com amigos e família, o museu tem exposições que contam com artefatos científicos curiosos: sempre me recordo da primeira vez que fiquei encantada com o Previsor de Marés, instrumento que auxiliou na previsão dos níveis das marés nos portos brasileiros até a década de 60 e que é uma relíquia do acervo. Vale dizer que além da divulgação e preservação da História da Ciência e da Tecnologia no Brasil, a instituição atua também enquanto centro de pesquisa, onde inclusive trabalhei e me constituí, verdadeiramente, como pesquisadora.

No campus também funciona o Observatório Nacional, que dentre suas muitas atividades, é responsável pela Hora Legal Brasileira: através de equipamentos de alta precisão são geradas medidas processadas por um algoritmo que calcula a escala de tempo atômica do país, que é a referência para se estabelecer a Hora Legal Brasileira, instituída em 1913 (Ou seja, esse ano a Hora Legal completa 110 anos!).

Dito isso, o leitor já deve ter suspeitado que minha afirmação sobre São Cristóvão ser o bairro carioca mais charmoso é cheia de percepções individuais e experiências pessoais. Peço que não me julguem, avisei que existia uma relação de afeto na minha declaração. Mas afinal, nossas percepções não são mesmo fruto também do que sentimos e construímos em nossos caminhos? Pois bem, mas nem só de MAST vive São Cristóvão e seu caótico charme.

Quem ainda não viveu a experiência de almoçar e apreciar um bom forró na Feira de Tradições Nordestinas está de fato devendo na lista de “coisas que eu deveria fazer no Rio de Janeiro”. Há quase 8 décadas, o local é um símbolo da diversidade cultural que forma a cidade e abriga quitutes nordestinos de tirar o fôlego.

Não podemos deixar de lembrar também da Quinta da Boa Vista, que é um verdadeiro complexo cultural, com atividades para todas idades e gostos. Do Zoológico aos passeios de bicicleta, destaque todo especial ao Museu Nacional, uma verdadeira Fênix, que renasce todo dia mais um pouco apesar de todos os pesares. Como historiadora, é impossível não reforçar a importância da instituição criada em 1818 e que o descaso ateou fogo, em 2018.

As ruas de São Cristóvão contam muito sobre a História Imperial do Brasil, inclusive sobre as relações afetivas e de sociabilidade que constituíram a monarquia. Não é à toa que é também no bairro que se encontra o Museu do Primeiro Reinado, instalado no Solar da Marquesa de Santos, a amante mais famosa de Dom Pedro I, bem próximo ao próprio Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista. Enquanto alguém que ama e vive da História, é maravilhoso caminhar pelos espaços e perceber todas as transformações e continuidades do local, com as lentes que minha formação consegue me oferecer.

Poderia escrever páginas e páginas sobre como São Cristóvão encarna todo espírito cultural carioca: tem história, tem entretenimento, tem comida de qualidade e muitos outros atributos. E olha que nem vascaína eu sou, o que definitivamente poderia justificar essa paixão.

Em meio ao trânsito, a violência inegável e o calor quase sempre excessivo para uma petropolitana, o bairro que abrigou a família imperial brasileira segue com carisma de quem já teve o mar bem pertinho e apesar de todos os aterros, conserva a encantadora brisa carioca.