Nos dicionários, dissonância é a reunião de sons que causam impressão desagradável ao ouvido, consequentemente, é falta de harmonia. Na Psicologia Cognitiva, o conceito de dissonância é ampliado para falar da desarmonia entre o que se pensa, sente e faz. Essa abordagem iniciou quando, em 1957, Leon Festinger, aproveitando-se de alguns estudos já existentes, ou acreditando melhorar os estudos da Gestalt Psychology sobre percepção, criou a teoria da dissonância cognitiva para explicar comportamentos conflitivos. Em outras palavras, para explicar comportamentos baseados em mentira, desonestidade e desejo. Ele tentou colocar bases motivacionais inconscientes nas teorias perceptivas, mas essa mistura de conceitos é no mínimo incoerente, pois as bases teóricas dos estudos perceptivos da gestalt não comportam qualquer possibilidade de colocar a emoção e o inconsciente como fatores prévios e determinantes de comportamento.
Comportamentos humanos não resultam da sedação de necessidades, nem da expressão de motivações inconscientes. Isso foi exaustivamente demonstrado pelos gestaltistas clássicos - Wertheimer, Koffka e Koehler - em suas pesquisas sobre aprendizagem. Aprende-se, por exemplo, apesar da fome, cansaço e sede. Aprendizagem é descoberta, é insight, é reconfiguração de situações, de totalidades, é também a apreensão de relações constituídas e estruturantes do dado, do colocado diante de nós. Desenvolvimento mais amplo desta pesquisa de Koehler pode ser lido em um artigo meu "O denso e o Sutil - Como se entende o que se percebe".
Na teoria da dissonância cognitiva existe uma mescla de abordagens com o intuito de reconfigurar e gerar novas explicações. Para Festinger, a dissonância cognitiva ocorre quando uma pessoa expõe uma opinião ou tem um comportamento que não condiz com o que ela pensa de si, de suas opiniões e comportamentos, ou seja, age percebendo a própria contradição ou incoerência. Trata-se do que é comumente chamado de mentira e desonestidade. É a mentira em função de um comportamento que se julga aceitável, necessário e útil. Esse desproposito, essas mentiras seriam explicadas por Freud como exercício de fantasias, e na Psicoterapia Gestaltista são explicadas como deslocamentos de não aceitação de si e de suas vivências, problemas e soluções. Atitudes dissonantes são as máscaras usadas como ponte de ligação entre a fragmentação de objetivos e crenças.
Geralmente, quando existe oportunismo e ambição, existe também ações com o intuito de enganar pessoas, manipular dados, falsear fatos, criar metas. Nessas situações é frequente encontrarmos mentiras ou contradições que podem ser chamadas erroneamente de dissonância cognitiva. Acontece que dissonante é todo comportamento estabelecido em precedentes que se mantêm, ou no depois que é antecipado. A continuidade de dissonâncias aumenta as contradições, perde-se o suporte dos acontecimentos, e assim esvaziam-se vivências ao esgotar o significado do dado, do acontecido. Muitas vezes, nesses contextos surgem os grupos, os que se associam para tentar traduzir, somar e agregar o que está em volta, o que ocorre. O caos aumenta e as dissonâncias consequentemente se acentuam. Desesperadas, catando pedaços, juntando cacos, tentando arrumar dados utópicos, sonhados e desejados, as pessoas se transformam em membros de hordas, bandos liderados por miragens e por organizadores, manipuladores.
A polarização gerada pelas dissonâncias, que antes apenas criava honestos e desonestos, satisfeitos e insatisfeitos, mentirosos e não mentirosos, agora cria sábios e ignorantes, consequentes e inconsequentes. Nesse contexto somos assolados por fake news, mentiras que envolvem indivíduos e coletividades. Isso cria conflitos, despropósitos e mais dissonâncias. Essas misturas e confusões são geradas em função de metas e de organizações, de regras extemporâneas e ultrapassadas. São tentativas resultantes de objetivos que desconsideram a realidade, desconsideram o fato de que o que acontece, acontece independente de como se classifique, aceite ou rejeite os fatos. A realidade é desconsiderada pois defendem valores, mantêm compromissos alheios a tudo que está ocorrendo, e como sempre, compromissos levam à alienação e subversão de realidades.