O governo Trump representou um passo significativo no processo de decadência da hegemonia norte-americana no mundo. Esta havia se iniciado com a adoção pelos Estados Unidos do modelo neoliberal.
Esta, ao contrario do modelo vigente desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o anos 1970, não está centrado em um setor produtivo – o de grandes corporações monopolistas internacionais, de que a indústria automobilística foi a mais importante -, mas tem no capital financeiro seu eixo. Não um capital financeiro que financie a produção, a pesquisa ou o consumo. Mas um capital financeiro que vive da venda e compra de papeis, sem induzir a produção de bens, nem gerar empregos.
É, assim, um modelo sem capacidade hegemônica. Se passou de um ciclo longo expansivo do capitalismo a um ciclo longo recessivo.
Os Estados Unidos não tem um modelo econômico a propor, como exemplo, com resultados de sucesso. As economias europeias, a do Japão, as latino-americanas, que seguem subservientemente esse modelo, mergulham em longos processos recessivos, com crise sociais profundas e governos com instabilidade política.
A essa dificuldades estrutural se somou o governo Trump que, com o lema de America first, retomou a tradição isolacionista de política externa dos Estados Unidos em grande estilo. Abandonou organismos internacionais, abandonou seus aliados históricos europeus, deixou a America Latina sem lugar na sua política externa.
Ao abandonar o Tratado do Pacifico com que os Estados Unidos pretendiam limitar o expansionismo da política externa chinesa, deu de presente toda essa imensa zona para a China, que não demorou a estender a nova Rota da China e consolidou um grande Tratado de Livre Comercio em toda a Asia.
Além de que as posições retrógradas de Trump em relação à pandemia, promovendo o negacionismo, so conseguiu adesão de governos ultra conservadores, entre eles o do Brasil, como único aliado relativamente importante. Mas uma demonstração a mais do desprestigio norteamericano em escala mundial.
Quando se projetava a vitória de Biden, houve quem subestimasse as mudanças que o novo governo poderia introduzir, a ponto de postular que tanto faria a vitória de Trump ou de Biden. Pela crítica das posições históricas dos democratas, especialmente seus engajamentos bélicos, assim como do próprio Biden, não captavam a importância da derrota do Trump. Não se davam conta da virada significativa que ele tinha implementado na política interna e externa dos Estados Unidos.
A vitória do Biden foi a vitória de todas as forcas que se uniram, transformando as eleições em referendo contra o Trump, fazendo com Biden tenha sido eleito nem tanto pelo que ele é, mas por ter assumido o papel do anti-Trump.
O que será o mundo sem o Trump? A radicalidade das políticas de Trump bastam para mostrar as diferenças para um governo que simplesmente se propõem a retomar as políticas internas e externas de Obama.
As primeiras medidas anunciadas por Biden já permitem perceber as diferenças, a começar pelo retorno dos Estados Unidos aos Acordos de Paris, cujo abandono foram tão simbólicos da virada na politica norteamericana por Trump. Mas também a importância no combate à pandemia, em que a postura de Trump marcou profundamente seu governo e teve peso decisivo na sua derrota eleitoral.
Os aliados tradicionais dos Estados Unidos na Europa já acenam para a retoma das alianças com Washington, Cuba manifesta com benevolência a possibilidade de retomada dos tipo de relação que tinham tido no governo Obama, o Mexico se sente aliviado de não ter a pressão intensa do governo Trump sobre o seu vizinho do Norte.
No polo oposto, o próprio Bolsonaro acusou o golpe, mesmo se finge desconhecer a vitória de Biden. Já fez declarações desencontradas, até mesmo especulando com que talvez nem se candidate à reeleição – seu objetivo politico maior. Mas ele sabe que agora o isolamento internacional do seu governo será enorme, que ele receberá forte pressão do novo governo norte-americano sobre a Amazônia e sobre os direitos humanos.
O mundo sem Trump será distinto. Os Estados Unidos não deixam de ser a potencia imperialista que são, nem renunciará a seus interesses econômicos e seu modelo neoliberal. Mas só em pensar na derrota da alternativa de extrema direita na maior potencia mundial, já dá para nos darmos conta das mudanças.