Ilusão é um dos temas mais escorregadios da filosofia, da política e mesmo da psicologia. Afinal, saber o que é ilusão e o que é realidade, como manipulá-las e entender porque nos iludimos, está, nos dias atuais, no cerne das coisas que se discute e se redefine, no âmago do manejo e falsificação dos fatos sociais e institucionais, e de como nos atraímos pela via fácil das respostas prontas, dos clichês que satisfazem necessidades.
É comum ouvirmos que ter sonhos é fundamental, que “a vida sem ilusão é uma vida triste”, numa clara evocação de ilusão como fantasia, como algo que não existe, que não é real, que é inclusive irrealizável, mas que preenche e satisfaz; ao passo que o que é real é insatisfatório e frio.
Em outras narrativas, ilusão está associada a alienação, engano e manipulação frequentes nas relações amorosas e até mesmo familiares, a métodos de dominação de massas como acontece nas religiões e nas políticas populistas com suas inferências nas escolas, na imprensa, na difusão de mentiras (fake news), promessas falsas e violência.
Em diversas situações, a busca de verificar o que é ilusório, que seria um antídoto pressuposto, não passa de uma armadilha e o círculo vicioso continua, regressando sempre ao problema inicial: a imersão na ilusão da realização de desejos e metas. Sem questionamentos dos próprios a priori, conceitos e dogmas, continuamos distorcendo e percebendo fatos, realidades e comportamentos em função de nossas verdades, medos e desejos.
Por que nos enganamos, por que nos iludimos?
Entendo ilusão e realidade a partir da percepção. A Lei de Figura e Fundo, um dos pilares dos estudos gestaltistas sobre percepção, me permite compreender e desenvolver as implicações dessa questão no comportamento humano. Essa Lei afirma que nas relações de Figura e Fundo, o que é percebido é a Figura, o Fundo é o estruturante e não é percebido. Existe a reversibilidade perceptiva, portanto, quando o Fundo é percebido, ele é Figura.
Em meu livro A Realidade da Ilusão, a Ilusão da Realidade afirmo que ilusão é o Fundo, o que não é percebido; e real é o percebido, é a Figura. Tudo que é percebido é real, e consequentemente não existe verdadeiro nem falso pois real é o que é vivenciado, dependendo do que é percebido como Figura. A sequência das vivências, das percepções, pode fazer mudar percepções, ou seja, o antes vivenciado como real. Nesse momento percebemos a ilusão, percebemos que nossos a priori, desejos e medos eram implícitos, eram o Fundo responsável pela percepção.
Geralmente, preconceitos ou a priori, crenças e certezas constituem o Fundo, o referencial de nossas percepções. São os estruturantes de nosso sistema categorial, resultam de experiências prévias e de avaliações e quanto mais fortes são as certezas, crenças e fé, mais rígidos e menos disponíveis nos tornamos, dificultando inclusive a reversibilidade perceptiva que possibilitaria a transformação desses a priori. Capacidades e incapacidades, medos e habilidades são estruturados pelas experiências. Portanto, vivemos de memórias, é como se andássemos olhando para trás, por isso a necessidade de apoios, geralmente supridos por dogmas e regras.
É necessário abrir mão de certezas e crenças largando os apoios, o sistema de avaliação e verificação para reencontrar a disponibilidade, porque sem disponibilidade somos dirigidos por padrões de ajuste/desajuste e de conveniência/inconveniência; ficamos presos ao que nos alimenta e adapta, presos ao processo de desindividualização e alienação. E assim, todas as vivências ocorrem nesse sistema avaliador. É a alienação que transforma as possibilidades humanas em necessidades circunstancializadas, metas de felicidade, amor, riqueza, fama e imortalidade. Ilusões que, por fim, norteiam o caminhar, o cair e levantar, o desespero e a angústia de estar no mundo querendo justificar, validar a trajetória por marcas de sucesso, de reconhecimento e realização. As expectativas de resultados, de validação de propósitos, de justificativas para a existência são geradoras de ilusão.
Precisamos mudar por meio de questionamentos ao que nos aliena, ao que nos leva a enganar e sermos enganados. Por pior que seja a realidade, ela é estruturante, individualizante, enquanto a mentira, a ilusão desestruturam, criam dependências, pois nesse contexto percebemos o que somos induzidos a perceber, e sem discriminação, sem globalização, embaralhamos e reproduzimos regras e dogmas dos sistemas nos quais estamos situados.