Diminuir a luminosidade até pouco enxergar (tudo o que é desregrado e sensual à noite pertence). No tecido da noite as coisas multiplicam-se a partir de dentro – Escureceu e a árvore já não é, por assim dizer, “uma árvore”. É agora uma árvore que assobia, que dança, de rituais próprios, que esconde e revela. Esse tecido, escuro, escuro, por vezes escuro como o breu, É; e É, porque desatina o corpo; É, porque da mesma maneira que retrai, estimula e obriga a mexer, a ver melhor, ouvir melhor e o que outrora era turvo e escorregadio é agora tangível. Digo já, e para que no futuro não nos esqueçamos: à noite todo o ser é esquivo.
Em Middle Finger Pedestrians, não estamos perante uma história contada tradicionalmente. Ora, podíamos optar por esperar por “once upon a time…”, mas estou certo que este tardará a ser anunciado; “Pedestres de dedo do meio” (sejamos literais) é o resultado de um conjunto de pinturas que nos mostram os entremeios de uma narrativa que, sem enunciado ou glossário, se manifestam enquanto visões que se dão num piscar de olhos. Restando-nos assim trabalhar com os “ses” nesta história de desenvoltura temporal e espacial desalinhada e permanentemente por revelar.
Uma carrinha parada no escuro, folhagem e sobras insignificantes de luz – os cães da noite não têm dono e são os cães que fazem (silenciosamente) as vistorias; ao longe e pequeninos, confinados ao breu mas entretidos, cada vez mais longe, cada vez mais escuro, cabe-lhes a eles esperar; o pássaro parece morto e a besta a mão ameaça, uma outra (quem sabe se a mesma) está prestes a enrolar o charro e no meio de tudo isto a árvore que nos recebeu continua e não pára: planos ampliados, planos fechados, figuras à escala real e figuras parcialmente desenquadradas, ora perto de nós, ora longe - Cada pintura, apesar de oriunda de diferentes desafios e ambições relativos à prática, acaba por, inevitavelmente, convergir na outra e na seguinte e assim sucessivamente evidenciando uma rede de correlações formais e informais que acabam por resultar num ambiente contagiado e envolvente.
À noite todo o ser é esquivo e o que nos resta são súbitos vislumbres e flashes – uma imagem fixa e desfocada de um distante aceno interrompido.
Gonçalo Preto (Lisboa, Portugal, 1991) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Design do Produto na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e em 2012 frequentou a Kassel Kunsthochschule, em Kassel, Alemanha. Completou a sua formação académica em Desenho e Pintura na Academy of Art University em San Francisco, EUA. As suas exposições individuais incluem: Limbo, Museu Carlos Machado, Walk & Talk, São Miguel, Açores (2019); Frag.men.to, Madragoa Encima, Lisboa (2017). As suas exposições coletivas incluem: Cabinet, Museu Nacional de História Natural e Ciência, Lisboa (2019); Síntese Ativa, Galeria Fórum Arte Braga, Braga (2019); There’ll Never Be a Door. You’re Inside. Works from the Coleção Teixeira de Freitas, Sala de Arte, Fundación Santander, Madrid (2019); Approx., CONDO London, Madragoa at The Shop, Sadie Coles HQ (2018); Sever, Galeria Boavista, Lisboa (2017); Blue, The Switch Gallery, Lisboa (2016); Babel, Miguel Justino Contemporary Art, Lisboa (2016); 4, Cidadela Art District, Cascais (2015); Spring Show, Academy of Art University, San Francisco (2015); Spring Show, Academy of Art University, San Francisco (2014); Means to an End, Neurotitan Gallery, Berlin (2013); Not Exklusiv, Rundgang, Kassel Kunsthochschule, Kassel (2012).