A Galeria Recorte, espaço multicultural localizado na região do Baixo Augusta, em São Paulo, apresenta, a partir de 29 de maio, a exposição "Nova proposta para a Via Crucis", de Darcy Penteado (1926-1987), uma releitura moderna e engajada da Paixão de Cristo e que se tornou uma das obras mais emblemáticas do artista.
Na série, a figura estilizada de Cristo domina todas as telas, acompanhada de um Barrabás que surge por meio de reproduções de crônicas policiais, um julgamento acompanhado por uma multidão representada por imagens de uma orgia carnavalesca e a crucificação, assistida por uma silenciosa plateia, criada a partir de uma junção de recortes de figuras anônimas e ilustres, entre elas Pelé e o próprio Darcy Penteado.
"Proposta para uma Nova Via Crucis", série de colagens com 10 quadros de 80cm x 80cm, já correu o mundo desde a sua criação, em 1966, e volta a partir de 29 de maio à rua Augusta, tão frequentada pelo artista, para uma curta temporada na Galeria Recorte, única galeria de arte do Brasil especializada exclusivamente em técnicas de colagem. Autodidata, Darcy Penteado foi um artista plástico, desenhista, gravador, cenógrafo, figurinista, escritor e pioneiro militante dos movimentos LGBT brasileiro.
Darcy idealizou sua Via Crucis quando morava em Roma, no bairro de Trastevere, vizinho ao Vaticano e às igrejas de Santa Doroteia e de Santa Maria, mas só a iniciou ao retornar ao Brasil. Darcy mesclou desenhos de um Cristo estilizado com pedaços de tecido, recortes de jornal e fotos, que foram deixadas por fiéis em busca de ajuda na igreja de São Roque, cidade onde nasceu e que abriga boa parte de seu acervo. "Proposta para uma Nova Via Crucis" foi exposta, pela primeira vez, no Masp (Museu de Arte de São Paulo), quando ainda ficava na rua Sete de Abril, no centro da capital paulista, e depois seguiu para Roma e Paris.
"A obra impressiona não só pela releitura que faz, de como as multidões sempre se cegam diante de injustiças, mas principalmente pela forma como usa a composição de elementos para criar as cenas. Mais de 50 anos depois, a obra segue mais atual do que nunca, não apenas pelo tema mas, sobretudo, pela técnica. O artista surpreende pela riqueza do conjunto de sua obra, pela quantidade de trabalhos, de diferentes estéticas artísticas", afirma Anna Gadelha, responsável pela Galeria Recorte.
Segundo ela, a ideia de expor Darcy na Recorte nasceu não só pela importância que a obra significa para o mundo da colagem, e de como pode influenciar novos artistas, mas pela própria trajetória política do artista, que lutou pela democratização do Brasil e pela conscientização dos direitos dos homossexuais.
Darcy, que nasceu em São Roque em abril de 1926, começou fazendo figurinos para teatro, ilustrando trabalhos de jovens poetas até se destacar como artista plástico, na década de 50, com trabalhos marcadamente expressionistas. Nos anos 60, além da Via Crucis, participou de três edições da Bienal Internacional de São Paulo com trabalhos que incluíam colagens feitas com restos de lixo. Passou a fazer retratos, à bico de pena, de famosos como a escritora francesa Françoise Seagan e atriz belga Audrey Hepburn. Como militante do movimento LGBT, foi um dos editores do jornal "Lampião da Esquina", publicação voltada às questões homossexuais que circulou de 1978 a 1981, durante a ditadura militar. Darcy morreu em 1987, em decorrência da Aids. O cartaz da primeira campanha contra a doença, em São Paulo, em 1985, é de sua autoria.
"Fizemos uma parceria com a Prefeitura de São Roque, cidade de Darcy, para expor essa obra aqui. Além disso, a rua Augusta tem tudo a ver com o artista, já que ele expunha com frequência na extinta Galeria Bonfiglioli e era cliente assíduo do restaurante Spazio Pirandello", lembra Anna Gadelha. A exposição fica em cartaz até o dia 16 de junho com entrada gratuita e faz parte do ResistArte, série de eventos que serão realizados na Galeria Recorte para festejar e incentivar o movimento LGBTQIA+.
A abertura da exposição, no dia 29 às 19h, contará com a participação da Orquestra Barão Brasital, de São Roque.