As mega livrarias, conquistaram seu espaço entre o público leitor, com seus cafés sofisticados, seção de eletrônicos e artigos de papelaria superfaturados. No entanto, apesar do que o tamanho possa sugerir, raras vezes o catálogo sai da lógica do ‘mais do mesmo’. E quem de fato gosta de ler, para além da obrigação universitária e do fetiche mercadológico das capas mais procuradas do momento, sabe exatamente a diferença. Neste artigo, deixo quatro dicas de espaços primordiais e deliciosos para leitores.

Tapera taperá

Uma livraria que abre as portas para que autores, editores, tradutores, criadores e leitores conversem, mostrem seus trabalhos e debatam os mais variados temas é praticamente solo sagrado. Um salão envidraçado no segundo andar de uma galeria localizada entre a República e a gloriosa Biblioteca Mario de Andrade, com um catálogo que não tem preconceito com as editoras mais independentes, sem deixar de contemplar as grandes tiragens e os clássicos – mas tudo muito bom, interessante e, acima de tudo, relevante. Confira o calendário no site e participe de um lançamento, mesa redonda ou debate – é uma experiência muito legal.

Casa Guilherme de Almeida

A antiga casa de um dos maiores expoentes da tradução no Brasil é hoje um museu cravado num dos bairros mais tradicionais da capital paulista. É possível visitar o acervo pessoal de Guilherme de Almeida, mas o real patrimônio desse espaço é toda a programação cultural cuidadosamente organizada sob a batuta de uma equipe curadora de peso. O curso de formação para tradutores literários já é referência no Brasil, e as palestras reúnem pesquisadores, escritores e, é claro, tradutores que trazem reflexões, questões teóricas e referências interessantíssimas para quem trabalha, estuda, ou simplesmente gosta de literatura. O clima dos eventos é sempre informal e todo mundo é bem-vindo.

Desapê

Num apartamento dentro do icônico edifício Copan, fica um espaço de difusão de arte/cultura/literatura com uma proposta bem diferente. O Desapê alberga uma coleção de livros raros ou que, no olhar da criadora e curadora do projeto, apresentam algum interesse especial, e que precisam ser compartilhados. O eixo que une essa ‘descoleção’, como define a criadora, com sua a localização (um marco arquitetônico de Oscar Niemayer) são os livros, cartazes, entre outros objetos relacionados ao mundo da arte. É um projeto único, feito com muito esmero. Vale a pena conferir.

Cerverbaria

O que eu mais gosto nesse projeto é como ele subverte a lógica de uma coisa machista, industrial e capitalista, como é o universo da cerveja, e o transforma em algo incrível. Pra começar a Cerverbaria é comandada por uma mulher, e ela ainda por cima é escritora e tradutora. Aí, ela criou um espaço delicioso em Pinheiros com uma minibiblioteca com sofás, mas também mesas ao ar livre, onde recebe lançamentos literários regados a cervejas artesanais do tipo IPA, lager ou weiss. Ela também leva a Cerverbaria para feiras literárias, como a FLIP. Tudo muito maravilhoso, mas isso ainda não é o melhor. Como eu disse antes, ela trabalha com três tipos de cerveja, certo?

Os nomes de cada cerveja estão relacionados a um estilo literário, e seus rótulos contém uma arte gráfica super bonita e um texto – sim, um texto – de autoria de um escritor ou escritora brasileiro/a contemporâneo/a. As lager são a Poética, e cada rótulo tem um poema (eu guardei a minha garrafa com o poema da Angélica Freitas sobre o bairro de Santa Cecília com carinho); as IPA se chamam Capotão e seus rótulos contém uma crônica ou miniconto; as weiss são chamadas Epistolar e, portanto, há uma espécie de carta no rótulo.

Um dia, casualmente ouvi a proprietária dizer «Eu vendo essas cervejas em alguns supermercados. Eu vendo poesia no supermercado» e fui tomada por uma euforia de quem está presenciando a vitória do próprio time. Naquele exato instante, eu estava dando risada com duas amigas, num papo animado, sendo que uma delas lia um miniconto da Natália Timerman no rótulo da garrafa. Naquela fração de segundo, senti que essas quatro mulheres, entre as quais eu me incluía, tínhamos virado o mundo todo de cabeça para baixo. E foi maravilhoso – tanto quanto aquela espécie de epifania que a gente só consegue durante uma boa leitura.