Encontrado na Miolos - esse chuchu de feira para editoras independentes - no estande da editora Jubarte, a capa cor-de-rosa com ilustração estilo barroca despertou minha curiosidade. A ironia e o anacronismo do título (O livro de ouro de alguma coisa remete àqueles almanaques da época das nossas bisavós) ganharam minha atenção, e ele acabou parando na minha escrivaninha.
Passar pela Miolos, pela Folhetaria (no Centro Cultural São Paulo) - e várias outras similares acontecendo em diversas cidades - é uma experiência fundamental para compreender o cenário literário nacional contemporâneo e entrar em contato direto com quem está pensando, editando e produzindo (e até mesmo traduzindo) literatura fora dos grandes conglomerados editoriais, que normalmente são círculos ultra fechados e cuja produção está invariavelmente submetida à interesses mercadológicos.
A leitura foi rápida, indolor, mas nada insípida. O livro de Luciana Abdo (não ficou totalmente claro se se trata de um pseudônimo ou não), escrito em 2016, é uma coletânea de referências à gêneros e formatos da literatura clássica, ao mesmo tempo em que fazem um intercâmbio com elementos da cultura contemporânea. O resultado são paródias de quase todas as coisas que estamos vivendo agora – do misticismo de horóscopo, às redes sociais e a cultura pop televisiva.
Não poderia, é claro, deixar de mencionar a citação que inicia o livro: Books are for people who wish they were somewhere else («Os livros são para aqueles que gostariam estar em outro lugar»), que a autora credita ao escritor Mark Twain, embora ao lado do nome do escritor norte-americano coloque entre parênteses ‘segundo a internet’. Eu nunca li essa citação no original, mas fiz uma breve pesquisa, e parece que realmente é de autoria de Twain.
Os contos e micro contos contam com títulos tão sugestivos quanto a própria coletânea, entre os quais destacaria 50 lugares para conhecer depois de morrer e a série dos micro Contos Mal Criados. Luciana, ou seja como for que se chame a ‘escritora que não ganhou nenhum prêmio importante, mas acredita que a importância é superestimada em nossa cultura’, faz um humor destemido, escrachado, e até mesmo sem vergonha de ser sem graça - e portanto fazer jus ao nome da publicação. Por essa razão, acaba sendo eficaz em suscitar o riso, ou pelo menos aquele sorriso amarelo, nervoso, desconfortável com a realidade de quem vive no Brasil de hoje.