Parodiando o movimento "Mais Amor Por Favor” do artista visual Ygor Marotta, a partir de pixos em muros e tapumes das ruas da maior metrópole do Brasil, eu diria “Mais sophrosíne, Parakalô!" para o nosso futebol e nossa sociedade doente. Os problemas são inúmeros, mas me detenho nos últimos quatro acontecimentos de grande repercussão no mundo do futebol nacional que envolvem ética, justiça, preconceito e homofobia.
Em um momento político crítico da sociedade como um todo, é preciso resgatarmos a sophrosíne que parece querer renascer em meio a tantos protestos. A sophrosíne (σωφροσύνη) é um antigo conceito grego sobre a excelência do caráter que reflete a prudência, temperança, moderação e autocontrole. Tal conceito, portanto, está em oposição à ideia de hybris, a desmesura do caráter humano, punida pelos deuses, como podemos ver em um episódio crucial da Ilíada de Homero, quando Agamêmnon decide tomar Briseida de Aquiles, evento tido como uma desmesura que mostra falta de prudência na ação de Agamêmnon. Se a tal sophrosíne calçasse chuteiras, tantos eventos lamentáveis no futebol nunca teriam espaço.
Equipadas sempre com a malandragem do jogador, dirigentes e demais envolvidos, a trapaça e a mentira são quase uma regra de conduta de um manual futebolístico jamais escrito desde as categorias de base na prática do esporte. Espera-se, portanto, que o jogador sempre “puxe a sardinha para o seu lado” e jogue sujo em sua própria vantagem. Entretanto, como entender conceitos de fair play, da educação das novas gerações pelo esporte e até mesmo os valores do Movimento Olímpico dentro desse cenário? Como entender que o mesmo torcedor que aplaude a trapaça dos jogadores do seu time é o mesmo que se sente indignado com a corrupção na política?
Tal discrepância foi escancarada e amplamente discutida no episódio "Rodrigo Caio” do último mês. O zagueiro do São Paulo Futebol Clube ficou entre a cruz e a espada depois de um lance de claríssima epifania de sophrosíne: livrou o atacante Jô do rival Corinthians de um cartão amarelo ao assumir a culpa de uma falta no goleiro do São Paulo. O ato de honestidade gerou muita divergência mesmo entre os próprios colegas do time, que o taxaram de traidor, pois o atacante Jô poderia ter sido suspenso do jogo de volta e poderia não ter feito um dos gols da vitória do Corinthians. Ou seja, Rodrigo Caio, se tornou um híbrido de herói e vilão e sua atitude, que deveria ser a norma, é uma daquelas exceções que gostaríamos que fosse regra. A falta de ética e honestidade no campo, sem falar fora dele, é assombrosa.
A segunda situação desconfortável foi a contratação de Bruno Fernandes de Souza, ex-goleiro do Flamengo, que, em liberdade provisória, aguardava sua sentença, tendo já cumprido mais de 6 anos dos mais de 22 de condenação por assassinato e ocultação do cadáver de sua esposa e mãe do seu único filho, a Elisa Samudio. O anúncio de sua soltura e apresentação como reforço do time da cidade mineira de Varginha, o Boa Esporte, atual campeão da Série C do Campeonato Brasileiro, gerou sentimentos opostos: assédio de pop star por parte de alguns e revolta por parte de outros, principalmente daqueles envolvidos em movimentos feministas. Diante de um crime e de uma situação judicial ainda em curso, como entender uma decisão tão desconcertante como essa?
O preconceito racial, infelizmente, também faz parte da lista de problemas crônicos e são muitas as histórias tanto no Brasil quanto no exterior. O caso mais recente de repercussão internacional envolvendo brasileiros foi o de Everton Luiz, jogador do Partizan Belgrado, time sérvio. Como não domina a língua, o jogador só percebeu que os gritos da torcida rival eram preconceituosos por conta da intensidade dos gritos quando ele se aproximava da lateral do campo. Mesmo com a parada do árbitro e o aviso nos autofalantes para que a torcida parasse, os insultos prosseguiram até o final da partida. Everton não conseguiu conter a sua raiva e fez gestos obscenos para a torcida, mas o que ficou foram as suas lágrimas amparadas pelo seu companheiro de time, o goleiro Filip Kljajic. Por que é tão difícil enxergar o outro como um igual?
Por fim, o maior tabu do futebol: a homofobia. Richarlyson, ex-volante do São Paulo, acaba de ser anunciado como reforço do Guarani, time da série B do Campeonato Brasileiro. Sempre perseguido nos clubes onde jogou por conta dos rumores de sua homossexualidade, Richarlyson foi recebido de forma hostil por dois torcedores que atiraram bombas em frente ao estádio do clube. Apesar de ter sido acolhido por muitos, o jogador foi objeto de muitos insultos, piadas e memes homofóbicos na internet, o que, infelizmente, tem sido recorrente. Por que as pessoas não podem fazer suas escolhas sem passar pelo julgamento alheio? Por que não podem seguir sua vida profissional e serem respeitadas independentemente de suas orientações sexuais?
Creio que as respostas desses questionamentos passam pela ausência de sophrosíne. Até quando a falta de sophrosíne no futebol vai nos deixar nesse pender infinito entre o a moderação e a destemperança? Se o esporte é importante ponto para uma sociedade melhor, como tantos afirmam, que se passe do âmbito do discurso para a ação e que a sophrosíne esteja entre nós.