Já faz algum tempo desde que Matthew Lutz-Kinoy dançou com fogo pela última vez. A partir do momento que comecei a pensar sobre seu trabalho, meu pensamento esteve ligado a uma ideia de corpo, basicamente, o que o faz ou desfaz. Nesta troca, cheguei ao ponto de objetivar seus processos artísticos dentro de um escudo fixo e marmoreado para assim pensar a identidade do artista e seu trabalho como objeto. Como uma anatomia – na qual várias partes se mexem, comem, falam, movem-se sobre outras estruturas, circulando, como o voo de um pássaro ou, talvez, de uma borboleta, ou como sinuosas barreiras de proteção para nossa percepção – este trabalho é um convite a uma vasta gama de sentidos. Meus olhos tocam essas coisas, e algumas delas me tocam de volta. De qualquer forma, estas flores selvagens se espalham e murcham. Parece-me justo considerar igualmente cores, formas e a possibilidade de aroma, crescimento e passagem para considerar tamanho. Hoje chamamos este processo de experiência. Tudo é experiência e talvez seja só isso. Mas voltemos ao início.
Já faz algum tempo desde que Matthew Lutz-Kinoy dançou com fogo pela última vez. Em 1º de maio de 2013, às 18h30, no OUTPOST Studios, em Norwich, Inglaterra, ele apresentou pela primeira vez Fire Sale, um medley das suas mais populares performances de dança, ao som de uma trilha sonora ao vivo tocada por SOPHIE. Ali ele dançou exaustivamente ao redor de uma caixa em chamas até que ela se queimasse por inteiro e uma série de relevos figurativos em cerâmica fossem retirados das cinzas. A dança em si era um index de trabalhos anteriores e, ao mesmo tempo, esse inventário foi materializado e transferido para objetos endurecidos, emancipados em seus próprios termos. Em jogo estava, em especial, o questionamento da ideia inerentemente problemática de como documentar performances, ocupando um lugar entre a ansiedade, que é pré-requisito de qualquer documento, e a experiência do trabalho de fato. O interesse prévio do artista em tratar de biografias, contar histórias e inscrever narrativas nos objetos para examinar se há um aspecto social imanente nessas coisas feitas de forma privada – declarando-as como sociais, pois elas desenvolvem uma história coletiva que nos rodeia – resulta do conhecimento de que o desenvolvimento de uma biografia e de uma personalidade é uma parte implícita desse processo. Corpos emergiram.
Em novembro de 2016, Matthew Lutz-Kinoy começou a colaborar com Silmara Watari, que desenvolveu sua técnica de cerâmica em Mashiko, Japão, produzindo uma ampla coleção de peças de cerâmica (cerca de 150 itens) em um forno anagama nos arredores de Campinas. Como o principal interesse de Matthew Lutz-Kinoy nas liberdades do espaço onde a performance acontece e em como lidar com a sua existência após o seu fim, esses trabalhos de cerâmica passaram por diferentes estágios de descontrole em um processo que ricocheteia as ideias acima. O fogo em si se torna o espaço do desconhecido, a queima de grandes quantidades de madeira não apenas endurece a cerâmica, mas também produz uma pilha de cinzas, que derrete com a superfície da cerâmica, acrescentando cor e textura. O formato do forno é facilmente interpretado como uma figura antropomórfica, um monte incandescente de tijolos cozinhando em silêncio entre um maço de couves pálidas, que expulsa aranhas, escorpiões e grandes sapos. A narrativa do recipiente, construída em relação ao corpo humano, continua a ser um dos elementos mais recorrentes na prática de Matthew Lutz-Kinoy. Nesse caso, ela ocorre na rotação do forno por uma força central. A cerâmica é forçada verticalmente a existir, em um movimento que é repetido ao longo de toda a exposição. Dessa forma, o artista enfatiza a ideia de narrativa, que atua como um index, testando seu valor simbólico. O fogo dura por volta de cinco dias.
Quando uma quantidade suficiente de cinzas é produzida e o calor atinge um patamar de cerca de 1250°, o fogo atravessa o interior do forno, jorrando para fora da chaminé, tocando tudo por dentro. As cinzas são agitadas com um pau ou uma pá que realiza uma espécie de dança do fogo, criando uma turbulência que faz com que as cinzas adiram à cerâmica radiante. Os flocos de cinzas flutuam no ar quente como pássaros ou borboletas, expandindo as ideias de performance, movimento e indexação para além da inserção da argila no forno, em uma transferência de movimentos do corpo e do fogo por meio do processo de queima. No final, tudo precisa esfriar.
Na exposição, as duas pinturas florais de grande porte se comportam como portais, pinturas como espaços, estabelecidas em grandes porções de tela, interagindo com as formas humanoides feitas em cerâmica e desenhos em forma de rolo, que servem como mecanismos narrativos no lugar da linguagem, como um esquema da estrutura da exposição, uma explicação, talvez. Em geral, as exposições de Matthew Lutz-Kinoy são realizadas como espaço escultórico que é demarcado pelas diferentes formas físicas e suportes (cerâmica, pintura, desenho), enfatizando o espaço expressado pela duração.
Eu vejo esses diferentes elementos e sua formação com uma mistura de desprezo e apreciação da sua utilidade. Isso vem da situação de dupla face nas quais as salas que abrigam esses objetos delineiam o espaço do seu significado da mesma forma que esses objetos – por meio da sua função suposta ou negada – designam a identidade dessas salas, rotulando-as e vice-versa. Essa relação proposital clama por uma função onde supostamente não há função e, ao mesmo tempo, fetichiza a ideia crua de funcionalidade até o ponto de futilidade celebrada.
O corpo humano continua a ser a figura mais proeminente, por meio de sua representação ou como escala de dimensão. Os membros carregam e dispersam a narrativa. Esse corpo continua a ser a projeção de um recipiente, fundindo-se com objetos inanimados; uma figura desmembrada, fragmentada, espalhada. Esta ideia, a de uma coleção de cerâmicas como um index da forma humana, evoca uma ideia antiga na qual o cérebro, o pulmão e o fígado, e todas as diferentes partes, são mantidas em recipientes diferentes, um corpo distribuído.
Tenzing Barshee