Fernando Távora respeita o desenho formal da ruína. Os acidentes provocados pela passagem do tempo são preservados como acto de denúncia entre momentos distintos, consumado pela linha que divide a matéria actual da matéria ancestral.
A ruína encontra duas abordagens distintas, mas complementares na mensagem a retirar: a ruína exposta e a ruína sobreposta. A primeira remete para a afirmação do estado “natural” em que a ruína foi encontrada, enaltecendo a sensibilidade e inteligência de Fernando Távora de reconhecer o sentido de permanência e naturalidade patente nela. A ruína moldada pelo tempo torna-se coisa natural, matéria orgânica e mutável, disponível à transformação…mas esta obra reserva parte do espaço de intervenção à conservação desse estado “natural” conquistado pelo tempo, valorizando a memória do lugar e dos restos existentes do edifício original. Deste modo expõe a ruína no seu estado elementar, conforme a encontrou, num claro sentido de continuidade.
A segunda, sobre a qual se edificou a torre, corresponde ao contacto directo entre fragmento (ruína) e complemento (nova construção). Neste caso, assume-se a relação franca e singular entre valores da actualidade e da perenidade traduzida na linha que desenha o alçado e determina a separação física entre tempos. De certo modo, Fernando Távora concretiza uma espécie de “enxerto” de tempos, uma espécie de resgate da matéria “morta” que é a ruína, para um novo desempenho funcional, actual e incorporado em novo edificado. Entenda-se por “enxerto” a operação resultante da integração de um elemento externo num outro já existente, da qual resulta necessariamente uma sutura.
Na Casa dos Vinte e Quatro, a operação de enxertar assume particular desenvolvimento: o corpo a ser “resgatado”, a ruína, encarna a raiz que alimenta a génese de todo o projecto, na qual se insere o novo corpo, ao contrário do que sucede nos enxertos convencionais, uma vez que neste caso concreto, a sobrevivência da ruína se encontra dependente do novo elemento a enxertar. No entanto, ambos os corpos suturados assumem similar importância na afirmação de um sentido simultâneo de enraizamento e continuidade para com a memória do lugar.
A noção de enxerto procura realçar a necessidade evidente de se compatibilizar de forma eficaz estes dois corpos distintos, tendo como juiz superior o tempo, que traduzirá a sua deliberação somente em dois resultados: continuidade ou ruptura, ou seja, se o novo corpo e a ruína sobreviverão ou não, a tão delicada operação.